terça-feira, 17 de abril de 2012

VOX DEI?

Pedro Henrique Saraiva Leão (*)
No século III a.D. os romanos, vindos da antiga região do Lácio, conquistaram os habitantes da Lusitânia, na Península Ibérica (Portugal e Espanha). Aos vencidos foi imposta a língua do vencedor, não o latim clássico, mas sua variedade vulgar, de substrato, e deste, o português.
Na Lusamérica, o nosso falar, já um “latim em pó” (como afirmou o cantor-poeta Caetano Veloso) foi caldeado com o patoá dos índios e os dialetos africanos, formando um linguajar mais plástico, malevolente, maroto.
O latim mesmo foi casado como língua morta, não sendo mais obrigatório na liturgia católica!
Toda a evolução idiomática do português brasileiro foi bem estudada em 2005 na revista paulista “Ciência e Cultura”, 57:2. Vale conferir!
A televisão, globalizando nossa aldeia brasílica, vem conspurcando nossa língua, desensinado-a aos jovens, pois rouba-lhes o tempo para a leitura de textos corretos. É a chamada “deslibrização” em curso.
Sendo a maioria dos programas gerados no Sudeste ou no Sul – onde se fala pior do que aqui – resvalamos nós, setentrionais, para uma língua inçada de galicismos, anglicismos, e, principalmente infestada de barbarismos e torpes atentados às nossas raízes verbais. E aí estão os solecismos (erros de sintaxe) e outros cochilos nossos de cada dia: “mermo” ao invés de mesmo, “ispermentar” (experi-), “poblema”, a turma “foram”, ir “no” médico, sentar “na” mesa, etc.
É longa a lista, agregando vários “solepaulismos” ou “sãopaulecismos”, motivados estes quiçá pela miscigenação entre paulistas e italianos, japoneses, alemães e outros povos. Maiores ainda são os assaltos ao verbo haver, como em “há dois anos atrás”, sabendo-se que “há” já indica um evento passado, ou quando este verbo, coitado, agora amiúde aparece cotó – como dizemos no Ceará – sem o H: médicos em greve “a” dois meses; e ao verbo fazer, ambos com frequência indevidamente pluralizados: “Houveram” cinquenta mil mortes, ou hoje “fazem” 147 dias. Não se diz mais meus óculos, mas “meu óculos”. E não mais falamos “minhas calças”, mas no singular, como se fossemos Sacis Pererês, com uma perna só. Assim fenece a “Última flor do Lácio, inculta e bela” do nosso Olavo Bilac e com o aval de alguns filólogos, avocando a versatilidade do português! Diz-se que Vox populi vox Dei (A voz do povo é a voz de Deus). Sei não! Acho que Deus não fala tão mal assim. Caminhamos para aquela “geração sem palavras”, temida por Paulo Rónai.
No Brasil, no começo era o verbo; depois fez-se o “magricionário” nacional, esta “Vox barbara” dos dias de hoje “Hélas”.
(*) Médico e presidente da Academia Cearense de Letras
Fonte: O Povo, Opinião, de 28/3/2012.

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