Médico-Psicoterapeuta
De quando em vez
aparecem relações significativas entre os mais díspares acontecimentos. Por
exemplo, o aumento dos divórcios em consequência de rapto. A proporção de
pessoas divorciadas quase dobrou em uma década, conforme resultados gerais da
mostra do Censo 2010, IBGE.
O aumento expressivo de 2010 foi
atribuído à mudança na Constituição Federal que derrubou o prazo para a
realização do divórcio, tornando esta, a forma efetiva de dissolução dos
casamentos, sem a etapa prévia da separação. O Brasil está no topo do ranking
mundial dos sequestros, ocupando o terceiro lugar, logo abaixo do México e do
Haiti.
Alguns anos atrás um jornalista
francês do Le Monde entrevistou
casais que foram vítimas de sequestros. Notou alta incidência de divórcio entre
eles. Durante o aterrorizante episódio viram o seu companheiro ou companheira
sob uma nova luz. Ante o perigo, cada um revelou uma face desconhecida para o
outro cônjuge. Possuir duas faces, ambas verdadeiras, não é novidade: o mês de
janeiro já foi representado por uma figura de duas faces, o deus Jano das
mitologias romana e etrusca (do latim Janus ou Ianus).
Jano era o porteiro celestial,
simbolizando os términos e os começos, o passado e o futuro, o dualismo
relativo de todas as coisas, sendo absoluta somente à sua divindade. Na vida
normal, uma ou outra face aparece, de acordo com as circunstâncias. Se não
fosse a ousadia dos sequestradores, a outra face permaneceria oculta ao
cônjuge. Durante o período do sequestro seu par, que aparentava ser um dinâmico
homem de negócio, exibia covardia, egoísmo, preocupação apenas em sobreviver. A
esposa, que era a encarnação da bondade, transforma-se em megera ou até em
prostituta.
A maioria dos pares desconhecia o
caráter da outra face, sempre escondida da sua outra metade. Infelizmente é
muito difícil discernir de antemão, no cotidiano, os sinais e sintomas dessa
dicotomia de caráter. A maioria desses casais que se separaram após o sequestro
jamais havia ponderado uma separação.
A conduta humana é imprevisível
diante da adversidade. A adversidade desperta em nós capacidades que em
circunstâncias favoráveis teriam ficado adormecidas. Os que não creem em alma
(consciência, mente), dizem que o ser humano possui duas almas, uma boa e outra
má. Quando uma acorda a outra adormece. O verdadeiro contorno de uma pessoa não
é como ela se comporta em momentos de conforto e conveniência, mas como se
demonstra em momentos e ocasiões adversas. O deus Jano, há quase dois mil anos,
já exprimia com perfeição essa dualidade.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco.
Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE)
e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).
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