Pedro
Henrique Saraiva Leão (*)
O
jesuíta português Antônio Vieira (1608-1697), dos maiores mestres da nossa
língua, afirmou haver cousas a que se lhes passa o tempo. Tal não sucedeu ao
roubo, e até o último século do Império Romano era “honesto” enriquecer como
governantes. (“Ó tempora, ó mores”: “ó tempos, ó costumes” – Cícero, “Catilinárias,
1, 1.2”).
A
pilhagem ou espoliação (roubo) minava o erário (dinheiros, bens) público, e
altos funcionários fixavam as propinas para os “homens de três letras”, aqui
aludindo ao latim “fur” – ladrão (Ariès & Duby: “História da Vida Privada”,
5 vols. Ed. Companhia das Letras, S.Paulo, 1990).
Aquele
clérigo (padre), em “Sermão do Bom Ladrão”, relatou ter dom João III de
Portugal sido informado por São Francisco Xavier que o verbo “rapis” (roubar)
na Índia se conjugava por todos os modos. O mesmo Vieira seria aquele autor
anônimo de “Arte de furtar”, reproduzido por L&PM Editores, Porto Alegre,
2005, com prefácio de João Ubaldo Ribeiro.
E no
mesmo século XVIII, Henry Fielding, em “Tom Jones” – um dos clássicos da
literatura inglesa - referiu-se à “bribery (propina), and corruption”. Não
obstante, embora sendo outros os tempos, os costumes parece não mudaram muito.
Nos nossos tristes trópicos, a rapinagem (propensão ao roubo) sempre
caracterizou alguns mandatários, roubando-se nessas paragens bem mais e melhor.
Na cabralina crônica, os índios pintavam papagaios com azul e vermelho e os
vendiam como araras. Começara a tapeação latino-americana.
No
Brasil atual a ladronice foi oficializada há poucos quatriênios. Enquanto isso,
o País dorme em berço esplêndido, embalado por uma longa “lullaby” (acalento,
canção de ninar, em inglês), hino preferido na nossa enganadora, desastrosa,
maquiavélica dilmocracia. Assim, temos menos educação, menos saúde, menos
segurança, menos passado, e ainda menor futuro.
Legisladores,
e os responsáveis pela coisa pública dispõem, aqueles, de descabida impunidade,
e a nós cabe pagar a conta. Com honrosas e minguantes exceções, tornam-se
presas fáceis, ou adictos (dependentes) da costumeira usurpação. “E la nave
va”, como no filme de Fellini.
Seria
até útil – como comentamos jocosamente outro dia entre amigos – vacinarem-se
com Anacleptil(o stealbrasílato de klauendol, do grego “aná”, sem, e “Klépto”,
furtar). O mineiro Afonso Celso (1860-1938) seguramente não escreveria hoje seu
“Porque me ufano do meu país”, publicado em 1900.
A
propósito, no início do século XIX o carioca Olavo Brás Martins dos Guimarães
Bilac sentenciou no soneto “A Pátria”: “Criança! Não verás país como este”.
Como vemos, foi também profeta. Estava certo o poeta.
(*) Médico. Professor
Emérito da UFC. Ex-presidente e atual secretário geral da Academia Cearense de
Letras.
Fonte: O Povo,
Opinião, de 16/9/2015. p.12.
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