Por Ângela Gutiérrez (*)
A bela mulher de cabelos brancos e fartos e
cabeça erguida guarda no peito a bebezinha rechonchuda que o pai levanta no ar
com uma mão, a menininha azougada que olha de lado e sorri marota, a menina
compungida em seu vestido de primeira comunhão, a moça que se apoia
elegantemente sobre o piano de cauda, a recém-casada que vai ao cinema com o
marido amado, a jovem mãe com cada um dos sete filhos...
Criança, olho
os retratos de minha mãe com fascinação. Retratos em preto e branco. Cada um me
conta uma história. Rio-me a valer da menininha de cabelos negros em caracóis,
que cabe na concha da mão do elegantíssimo pai. Como é possível que minha mãe
tenha sido um dia tão pequenina! O menino e a menina louros ao lado do pai são
meus tios. Que graça!
Ah, já entendo
por que Mamãe era chamada de Joãozinho em casa. A menina de sorriso maroto só
podia mesmo ser danada como um menino. Quando olha o retrato da Mamãe apoiada
no piano, Papai diz que essa moça de dezesseis anos prendeu seu coração. Mamãe
sorri.
No retrato da
Mamãe com as duas filhas, não me reconheço na mimosa menina de um ano, com laço
de fita nos cabelos e pulseirinha de ouro no bracinho bem torneado como os de
anjinho de cartão-postal. Ao olhar-me no espelho, vejo somente uma menina tão
magrinha, de seis anos.
Há muitos anos
os retratos da Mamãe são coloridos e se multiplicam em muito mais de mil pelo
talento da sobrinha que adora tirar fotos dos tios Luciano e Angela: ele toca
violão, imagino que canta: “Enquanto eu viver, você será o meu maior
bem-querer” e ela sorri. O casal dança... dança abraçado até os primeiros anos
do novo milênio. Depois vejo Mamãe vestida de negro, com uma flor branca no
casaco e ar desamparado.
A bela mulher
de cabelos brancos e fartos e cabeça erguida completa hoje cem anos, em festa
de amor, rodeada de filhos, netos, bisnetos e trinetos... Guarda no peito a
bebê, a menina, a mocinha, a moça enamorada, a jovem mãe, a senhora de mãos
dadas com o marido, o casal que dança e dança...
(*) Filha
de Ângela Laís Pompeu Rossas Mota. Professora aposentada da UFC. Membro da
Academia Cearense de Letras e sócia do Instituto do Ceará.
Fonte: Publicado In: O
Povo. Fortaleza, 3/2/2017. Opinião. p.8.
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