Essa frase me acompanha desde 2007, ano em que entrei na
Medicina.
O sobrenome Gurgel já está atrelado ao tio Marcelo. Uma vida
médica singular. Dentre muitas funções e atribulações, tio Marcelo é médico,
professor, epidemiologista e polígrafo.
Durante a infância, lembro-me de tio Marcelo trazendo revistas e
jornais para a casa da vovó. Discreto, voz suave, um humor fino, comentários
satíricos e um sorriso irônico no canto da boca. De excentricidade, uma
teimosia incansável em colecionar livros e usar sua fiel gravatinha borboleta
em eventos tradicionais.
Não temos nele uma figura tradicional de médico. Não seguiu o
caminho convencional de clínica ou cirurgia. Suas mãos não manuseiam a lâmina
fria de um bisturi, não portam um estetoscópio.
Não possui pacientes, mas pacientemente procura ideias para um
novo livro. Não ausculta, mas escuta o sabor das palavras. Examina forma e
conteúdo estatístico. Dá o diagnóstico da Saúde Pública. Por fim, não
prescreve, mas escreve incansavelmente livros. Como deixar escapar tantos
conhecimentos? Escrever é viver. E recentemente, transcendeu a própria
existência, tornou-se um imortal da Academia Cearense de Letras.
Preciso confessar que a pergunta “Você é o quê de Marcelo
Gurgel?" sempre me foi ambivalente. Uma mistura doce de pertencimento
familiar com uma salgada sensação de alienação de minha caminhada médica.
Alienar. No sentido transitivo direto e bitransitivo: “transferir para outrem o
domínio ou a propriedade de; alhear”.
E então os anos correram, os tempos mudaram. Meu paladar, por
fim, também se alterou. A pergunta se manteve; se mantém. E agora a ouço também
proferida por jovens bocas. A estranheza de outrora do doce e do salgado hoje
se harmoniza como um queijo com goiabada. “Você é o quê de Marcelo Gurgel?” Não
mais respondo que sou sua sobrinha. Encho-me de orgulho e digo que ele é meu
tio.
Marina Cavalcante Gurgel Carlos,
ginecologista
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