sábado, 18 de março de 2023

VOCÊ É O QUÊ DE MARCELO GURGEL?

Essa frase me acompanha desde 2007, ano em que entrei na Medicina.

O sobrenome Gurgel já está atrelado ao tio Marcelo. Uma vida médica singular. Dentre muitas funções e atribulações, tio Marcelo é médico, professor, epidemiologista e polígrafo.

Durante a infância, lembro-me de tio Marcelo trazendo revistas e jornais para a casa da vovó. Discreto, voz suave, um humor fino, comentários satíricos e um sorriso irônico no canto da boca. De excentricidade, uma teimosia incansável em colecionar livros e usar sua fiel gravatinha borboleta em eventos tradicionais.

Não temos nele uma figura tradicional de médico. Não seguiu o caminho convencional de clínica ou cirurgia. Suas mãos não manuseiam a lâmina fria de um bisturi, não portam um estetoscópio.

Não possui pacientes, mas pacientemente procura ideias para um novo livro. Não ausculta, mas escuta o sabor das palavras. Examina forma e conteúdo estatístico. Dá o diagnóstico da Saúde Pública. Por fim, não prescreve, mas escreve incansavelmente livros. Como deixar escapar tantos conhecimentos? Escrever é viver. E recentemente, transcendeu a própria existência, tornou-se um imortal da Academia Cearense de Letras.

Preciso confessar que a pergunta “Você é o quê de Marcelo Gurgel?" sempre me foi ambivalente. Uma mistura doce de pertencimento familiar com uma salgada sensação de alienação de minha caminhada médica. Alienar. No sentido transitivo direto e bitransitivo: “transferir para outrem o domínio ou a propriedade de; alhear”.

E então os anos correram, os tempos mudaram. Meu paladar, por fim, também se alterou. A pergunta se manteve; se mantém. E agora a ouço também proferida por jovens bocas. A estranheza de outrora do doce e do salgado hoje se harmoniza como um queijo com goiabada. “Você é o quê de Marcelo Gurgel?” Não mais respondo que sou sua sobrinha. Encho-me de orgulho e digo que ele é meu tio.

Marina Cavalcante Gurgel Carlos, ginecologista


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