domingo, 16 de abril de 2023

CONGRESSO DE CANCEROLOGIA

Com vistas a angariar apoio para o XII Congresso Brasileiro de Cancerologia, que seria realizado em Fortaleza, em novembro de 1991, o Prof. Haroldo Juaçaba, em companhia de membros da Comissão Organizadora do evento, foi recebido em palácio, por uma autoridade pública local.

A conversa foi infrutífera, muito pouco rendendo pelo caráter dispersivo de nosso interlocutor, o gestor em questão. O Dr. Haroldo Juaçaba falava do congresso, mas nem sempre conseguia o seu intento, porquanto o dirigente, com frequência, o interrompia, apontando a maquete e as plantas do grande empreendimento de sua gestão, e quando cabia a ele responder, o fazia com evasivas, trazendo para o foco a citada obra.

Duas décadas decorridas, guardo vagas lembranças daqueles diálogos, mais ou menos assim:

– Nós estamos aqui, em comissão, conforme ofício que solicitou esta audiência, para falar do XII Congresso Brasileiro de Cancerologia...

– Ah, é uma honra receber, em meu modesto gabinete, o exímio cirurgião Haroldo Juaçaba e seus colegas do congresso – demonstrando um inicial apreço pelos visitantes.

O senhor, ao percorrer nossa cidade, já deve ter visto os “outdoors” espalhados, dando conta da realização do nosso congresso no próximo mês de...

– A propósito, vocês já viram a maquete da nossa principal obra? Tá uma belezura! – Apontando a maquete, posta em uma mesa ao lado, e protegida por uma redoma de acrílico.

Em deferência ao convite, o grupo de médicos deixou a mesa de reuniões e foi conferir a maquete, causando um contentamento ímpar no anfitrião. Ao retornarem ao local da reunião, o Dr. Juaçaba tenta retomar a conversa interrompida:

– Pois, como estávamos falando, em novembro vindouro, Fortaleza acolherá mais de mil congressistas de todo o Brasil...

– Vejam as plantas com os detalhes da grande obra, que legarei aos cearensesremetendo os médicos para verificarem quatro plantas que emolduravam as paredes do gabinete, interceptando novamente o fluxo da conversa.

Depois dessa segunda intromissão, de novo reunidos à volta da mesa, o Dr. Haroldo retorna ao cerne da audiência:

– O nosso congresso assumiu uma enorme dimensão, patenteada pela presença confirmada de vinte e cinco conferencistas internacionais e de mais de cinquenta palestrantes nacionais. Tudo isso impõe despesas de vulto, e, por consequência, a captação de somas...

O gestor público não esperou sequer o Prof. Haroldo Juaçaba completar a frase, e, muito menos, apresentar qualquer pedido. Em tom de provocação, continuou:

– Sabem bem vocês em quanto está orçada a nossa obra? É tanto dinheiro que o erário ficará combalido se tiver que arcar com tudo. A minha esperança é que o governo federal injete recursos, por meio das emendas de bancada de nossos deputados.

Após muito lero-lero, o máximo que se conseguiu dessa autoridade foi o compromisso de assumir pagamento de algumas inscrições de funcionários públicos no congresso e a promessa de que se faria presente na solenidade de abertura do evento.

* Publicado, originalmente, In: SILVA, M.G.C. da. Contando Causos: de médicos e de mestres. Fortaleza: Expressão, 2011.112p. p.33-34.

Fonte: SILVA, M.G.C. da. Congresso de cancerologia. In: SOBRAMES – CEARÁ. A plenos pulmões. Fortaleza: Sobrames-CE/Expressão, 2021. 340p. p. 230-231.


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