quinta-feira, 2 de junho de 2016

BÍBLIAS MÉDICAS


Pedro Henrique Saraiva Leão (*)
Nas faculdades de Medicina, cedo os alunos conhecem os quatro sinais característicos da inflamação aguda: rubor, tumor, calor e dor. É o chamado quadrilátero de Celsus. Cornelius Celsus (530 a.C – 7 d.C), nobre leigo durante o reinado de Tibério, intentou resumir a cultura dessa época em agricultura, leis, filosofia, retórica e medicina. Curiosamente aludiu até aos transplantes de tecidos!
Reuniu suas observações em oito volumes sob o título “De Re medica” (“Das Coisas médicas”). Foi o primeiro autor desta ciência a ser publicado em tipos móveis (1478), estes genialmente concebidos por Gutemberg, em Mainz, Alemanha, 1440. Eclodira, assim, uma vera epidemia, divulgada mundialmente, a pandemia do conhecimento.
Celsius foi o terceiro ícone (pessoa emblemática, representativa) daquele quinteto de notáveis, precursores do saber médico, integrantes do “Corpus Hippocraticum”, alentadíssima antologia produzida no século IV a.C., por escritores de Cós, de Cnidos, e da Sicilia.
Hipócrates (“circa” 460-375 a.C.) era ilhéu de Cós, e do que escreveu sobressaíram dois tópicos: os “Aforismos” (máximas, ou sentenças morais), e o “Juramento”. Aquele compêndio heterogêneo de quase mil páginas foi escrito em jônico (dialeto do grego antigo), posteriormente traduzido (e comentado!) pelo francês Émile Littré (+1881). Deste é também o famoso “Dictionaire de Médicine”, Paris, do qual temos a 21ª edição, 1.842 páginas, de 1908).
Outro demiurgo (criador de obra importante) nessa história foi Galeno, nascido em Pérgano, no ano 130 da nossa era. Galeno integrou a tradição hipocrática criando uma ortodoxia (doutrina verdadeira) da Idade Média, vigente por mais de 1.500 anos, estribada na Fisiologia e na Patologia, versando da etiologia (causas) ao tratamento racional (alopatia) das doenças.
A ele seguiu-se o persa muçulmano Ibn Sina, Avicena, em 1020, com seu formidando “cânone” (coletânea, catálogo), o “Quanum” (leis, em árabe), o mais importante livro na Europa e no mundo árabe, suplantando mesmo o trabalho de Galeno. Verdadeira bíblia médica, tamanha enciclopédia foi estudada até o século XVII nas universidades cristãs e na Inglaterra. O “Quanum” , de Avicena foi vertido para o latim como “canone medicinae” , por Gerardo de Cremona, no século XII.
Megarrepositório de erudição científica, o “Corpus Hippocraticum” foi completado com “De Humanis Corpora Fabrica”, de Andreas Vesalius em 1543. Em 10 volumes, este monumental conjunto foi doado à Academia Cearense de Medicina, onde veio integrar a Biblioteca Dr. Carlos Ribeiro, como Coleção de História da Medicina Dr. Edisio Tavares, falecido em dezembro último, aos 93 anos.
Tais inestimáveis obras ali quedarão sob a competente curadoria do acadêmico/bibliófilo João Evangelista Bezerra Filho. Destarte, com laivos dourados, encerra-se a gestão do dr. Vladimir Távora, seu operoso presidente. Parabéns! 
 (*) Professor Emérito da UFC. Titular das Academias Cearense de Letras, de Medicina e de Médicos Escritores.
Fonte: O Povo, Opinião, de 27/4/2016. p.10.

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