terça-feira, 18 de setembro de 2018

A NOTÍCIA


Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
O especialista competente reluta em abordar um assunto novo e específico, na sua área profissional. A maioria das pessoas, excetuando as exceções de praxe, opina sobre tudo ou quase tudo. Da física quântica aos alimentos com glúten ou sem glúten.
Na realidade, é desnecessário e inútil fazer uma pesquisa sobre alimentos rotulados como com/sem glúten. Primeiro, porque o conhecimento sobre o perigo deste novo-antigo vilão alimentar deve certamente ser muito precário. Segundo, porque a ideia de que é perigoso já viralizou e virou ‘verdade’.
Os alimentos que preenchem as prateleiras dos supermercados e são portadores do rótulo de ‘sem glúten’ são hoje os preferidos pelo homem sapiens, pois o glúten virou um vilão esconjurado, embora tenha sido consumido pela humanidade desde antes da Bíblia.
Quanto menos conhecemos um assunto, mais fácil é acreditar na consagração midiática. Os profissionais do Marketing não têm grande pudicícia em abusar da boa-fé do público. E não vacilam em capturar e dirigir o tremendo desejo de consumo dos compradores.
Para me limitar ao meu ganha-pão de médico, costumei-me a atender, tratar e acompanhar os diversos tipos de diabete. Agora, estão anunciando que o velho BCG está curando ou melhorando a vida dos portadores dessa enfermidade. Vamos aos motivos por trás dessa ‘notícia’.
Leio na primeira página do meu provedor (UOL 20.03.17) a manchete:
ATENÇÃO DIABÉTICO: Você Quer Descobrir os 4 Passos Simples para Dominar o Diabetes em 30 Dias?
Fico apreensivo com a proposta de que a injeção de BCG serve à cura da diabetes. O que poderá ser até verdadeiro, mas o canal de divulgação dessa novidade está errado e pode despertar falsas esperanças, o que é muito perigoso. A desesperança é terrível. Povo desesperançado fica doente.
Para início de conversa, aconselho ao leitor perguntar aos seus inúmeros amigos do Facebook o significado da sigla BCG, sem consultar Google e assemelhados nem pedir auxílio ou consultar terceiros robotizados. Depois, por gentileza, mandem-me o resultado. Obrigado.
Os jornalistas e todos os responsáveis pela Mídia que, para mim, como leigo, consiste no conjunto dos diversos meios de comunicação, cujo objetivo é transmitir informação e conteúdo variado através de uma série de diferentes plataformas que agem como meios para disseminar tal informação. E eles, como profissionais conscientes, deveriam saber que as faladas mídias sociais são, pelo geral, as suas principais fontes de informação.
Devemos nos lembrar de que a diferença entre boato e notícia é que a notícia pode ser forjada… Não os culpo, pois, somos todos humanos e temos dificuldade para lembrar como é não saber o que conhecemos bem. No entanto, compreendo que defender o leite das crianças é sagrado e para isso participam da mesma cadeia alimentar. E que seu público é o leitor, televisivo e de todas e quaisquer plataformas midiáticas inventadas e por inventar.
Baseado em estatísticas digo: — A grande maioria das notícias das “mídias sociais” tem origem nos profissionais da Imprensa.
A gente pode dizer tranquilamente que, se não tem mídia, não tem mídia social”, afirma Luli Radfahrer, pesquisador da USP e colunista da Folha de São Paulo. Os debates nas redes, diz ele, surgem da cobertura profissional, como repercussão ou crítica. Ele observa, porém, que o papel da imprensa não se encerra mais no publicar. E afirma esse perito: “Não são mais donos do discurso; são quem inicia a conversa.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Foi um dos primeiros neonatologistas brasileiros.

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