Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
O especialista competente reluta em abordar um assunto
novo e específico, na sua área profissional. A maioria das pessoas, excetuando
as exceções de praxe, opina sobre tudo ou quase tudo. Da física quântica aos
alimentos com glúten ou sem glúten.
Na realidade, é desnecessário e inútil fazer uma
pesquisa sobre alimentos rotulados como com/sem glúten. Primeiro, porque o
conhecimento sobre o perigo deste novo-antigo vilão alimentar deve certamente
ser muito precário. Segundo, porque a ideia de que é perigoso já viralizou e
virou ‘verdade’.
Os alimentos que preenchem as prateleiras dos
supermercados e são portadores do rótulo de ‘sem glúten’ são hoje os preferidos
pelo homem sapiens, pois o glúten virou um vilão esconjurado, embora tenha sido
consumido pela humanidade desde antes da Bíblia.
Quanto menos conhecemos um assunto, mais fácil é
acreditar na consagração midiática. Os profissionais do Marketing não têm
grande pudicícia em abusar da boa-fé do público. E não vacilam em capturar e
dirigir o tremendo desejo de consumo dos compradores.
Para me limitar ao meu ganha-pão de médico,
costumei-me a atender, tratar e acompanhar os diversos tipos de diabete. Agora,
estão anunciando que o velho BCG está curando ou melhorando a vida dos portadores
dessa enfermidade. Vamos aos motivos por trás dessa ‘notícia’.
Leio na primeira página do meu provedor (UOL 20.03.17)
a manchete:
ATENÇÃO DIABÉTICO: Você
Quer Descobrir os 4 Passos Simples para Dominar o Diabetes em 30 Dias?
Fico apreensivo com a proposta de que a injeção de BCG
serve à cura da diabetes. O que poderá ser até verdadeiro, mas o canal de
divulgação dessa novidade está errado e pode despertar falsas esperanças, o que
é muito perigoso. A desesperança é terrível. Povo desesperançado fica doente.
Para início de conversa, aconselho ao leitor perguntar
aos seus inúmeros amigos do Facebook o significado da sigla BCG, sem consultar
Google e assemelhados nem pedir auxílio ou consultar terceiros robotizados.
Depois, por gentileza, mandem-me o resultado. Obrigado.
Os jornalistas e todos os responsáveis pela Mídia que,
para mim, como leigo, consiste no conjunto dos diversos meios de comunicação,
cujo objetivo é transmitir informação e conteúdo variado através de uma série
de diferentes plataformas que agem como meios para disseminar tal informação. E
eles, como profissionais conscientes, deveriam saber que as faladas mídias
sociais são, pelo geral, as suas principais fontes de informação.
Devemos nos lembrar de que a diferença entre boato e
notícia é que a notícia pode ser forjada… Não os culpo, pois, somos todos humanos
e temos dificuldade para lembrar como é não saber o que conhecemos bem. No
entanto, compreendo que defender o leite das crianças é sagrado e para isso
participam da mesma cadeia alimentar. E que seu público é o leitor, televisivo
e de todas e quaisquer plataformas midiáticas inventadas e por inventar.
Baseado em estatísticas digo: — A grande maioria das
notícias das “mídias
sociais” tem origem nos profissionais da Imprensa.
“A gente pode dizer tranquilamente que, se não tem mídia, não tem mídia
social”, afirma Luli Radfahrer, pesquisador da USP e
colunista da Folha de São Paulo. Os debates nas redes, diz ele, surgem da
cobertura profissional, como repercussão ou crítica. Ele observa, porém, que o
papel da imprensa não se encerra mais no publicar. E afirma esse perito: “Não são mais donos do discurso;
são quem inicia a conversa.”
(*) Professor Titular da Pediatria
da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União
Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos
(ABRAMES). Consultante
Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Foi um dos primeiros
neonatologistas brasileiros.
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