quarta-feira, 12 de maio de 2021

A PANDEMIA E AS IMAGENS DA PESTE

Por Cláudia Leitão (*)

Devemos à literatura a produção de imagens essenciais para a compreensão do adoecimento das sociedades. Albert Camus (1947), no seu magistral romance "A Peste", descreve uma epidemia, que toma conta da cidade de Orão na Argélia, portadora de sofrimento, loucura, mas também de compaixão entre os indivíduos.

No "Ensaio sobre a Cegueira", José Saramago (1995) retoma as imagens da epidemia e da quarentena, quando narra a história de um surto de cegueira branca que se espalha sobre uma cidade, obrigando indivíduos a se confinarem e a tomarem consciência, da forma mais atroz, de sua condição.

Mas, desde o "Édipo Rei", de Sófocles, temos sido convocados a pensar a tragédia da condição humana a partir da Peste. Édipo é condenado à morte quando ainda era recém-nascido.

Laio, rei de Tebas e seu pai, ouviu do oráculo de Delfos que o filho algum dia o mataria e desposaria sua mãe, Jocasta. Diante da revelação, o rei decide mandar matar o filho.

Um pastor é convocado para a tarefa, mas apieda-se e o leva para casa, oferecendo-o posteriormente a Políbio, rei de Corinto, para adoção.

O desenrolar da peça conduz Édipo a realizar a profecia do oráculo. Ao levantar das cortinas, o drama já está consumado.

A história começa com um sacerdote de Tebas que vem implorar pela ajuda do rei Édipo, pois a cidade está assolada pela Peste.

Ao buscar ajuda para a cidade, Édipo tomará consciência de seu destino. Todos os personagens parecem livres para agir, mas, na verdade, somente vivem ilusões de futuro. No início sabe-se o final e no final compreende-se o início.

A alegoria de uma cidade adoecida é o pano de fundo da tragédia. Mais uma vez a Peste é o início e o fim de uma narrativa, processo e produto dos desvarios humanos.

Nela percebemos que a liberdade humana não se resume à permissão de agir, mas se refere, sobretudo, à capacidade de fazer escolhas. Segundo Adorno, somente a morte nos dá uma imagem não deformada da vida.

Nesse sentido, as imagens da pandemia no Brasil revelam, há um ano, que, além dos milhares de mortos, há milhões de mortos-vivos. Tempos trágicos.

(*) Professora da Uece. Diretora do Observatório de Governança Municipal do Iplanfor.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 22/3/21. Opinião, p.20.


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