A-bestado
No
interior de Catarina, sertão cearense, a escola no máximo lhe ensinara quem
eram Papai Noel e Pedro Álvares Cabral, quais os seis sentidos do cristão,
quanto vale 5x1 - 2 2, onde ficava o leste do Acre, em que ano o homem botou os
pés na lua... No entanto, era o suficiente para Deonésio Vale (querido primo)
aprender e submeter-se à prova de balconista na padaria de um tio nosso. A
rigor, o velho tio Emídio estava selecionando profissionais também para o setor
de marketing.
Só
não se sabe até hoje por qual motivo a prova de conhecimentos digitais caiu nas
mãos de Deonésio, perito na criação de cabras leiteiras. Logo na primeira
questão o engasgo - escrever os significados de e-mail, e-commerce, e-book,
e-learning... A última questão? Uma análise do que o candidato pensava sobre si
mesmo: "Defina-se em quatro palavras. Trazendo na 'caxola' as dicas da mãe
em relação ao exame, de nada deixar em branco, falar sempre a verdade e
observar "os sinais ao redor", escreveu o que julgava fosse ele:
- Um grande a-bestado!
Pobre
é a imagem do cão!
Do
mesmo Deonésio Vale, a melhor (e analítica) definição de liso que já li entre
todos os pensadores da história - de Sócrates a Jair Morais. A seguinte:
"O liso é um semovente a perigo, sem dinheiro, lascado, sem um pau pra dar
num gato, 'aperriado', com o cu na ratuêra, num coquêro medonho, duro,
enforcado, apertado, sem um vintém, numa dipindura monstra, sem um puto no
bolso".
Mais:
"O Exmo. Liso vive num liliu
medonho e no maior coqueiro, vendendo o saco pra pedir esmola; é um miado, no
ponto de passar a lixa, na lona, na tanga, na maior pindaíba, é um ponta de
cigarro, quengado, quebrado, distiorado, rebolando cachorro n'água, altamente
Santa Casa, sem condição de comprar uma broa, teso, tisgo, dequedente, lascado,
vendendo o almoço pra comprar a janta..."
Em
uma frase: "O liso está para o cearense
assim como o "looser" está para o americano. É um leprento!"
A
missa antes do enterro
A
filha Doraneide cuidou de tudo: cirurgia do pai seria logo após o aniversário
(de 78 anos) dele, por isso a cama especialmente adaptada encomendada há pouco.
Plano de saúde informou qual o hospital, o médico, o tipo da prótese de
quadril, duração média da operação. Até os exames preliminares estavam
marcados; pelo jeitão, seu Zé estava no jeito. Sabia até que ficaria 15 dias
sem poder pisar no chão. E aí, brabo que nem siri na latra, veio o imbróglio.
"Só se opero depois da cadeira de
roda comprada!"
- Papai, isso é detalhe. Na sequência a gente aluga...
- Alugar? Negatofe! Tudo pra mim
é pei bufo! Dinheiro na ruma!
- Ok, compramos a cadeira, mas se opere primeiro!
- Como é que um homem se opera
sem a garantia da cadeira ali, ouvindo a conversa?
- E senão for necessário?
- Tá querendo dizer que eu vou
bater as botas, é?
- Não, pai. Vai que uma muleta ou uma bengala resolve...
Aí
seu Zé deu a cartada final, esse algo até então desconhecido da ciência:
- Vocês precisam entender o
submundo psicológico de um homem de 78 anos com os quartos quengado!!!
Fonte: O POVO, de 13/11/2020.
Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos.
p.2.
Um comentário:
Hoje conversando com minha mãe e minha tia, elas falaram em dequedente, algo que eu nunca tinha ouvido falar. Encontrei outras palavras aqui e elas também sabem o que é distiorado e tisgo, palavras que eu não conhecia também.
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