quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

CONTRA A FORÇA NÃO HÁ ARGUMENTO

Meraldo Zisman (*)

Médico-Psicoterapeuta

Estudamos a História por muitos motivos, entre os mais importantes está achar rastros ou pistas para compreender o presente. O Brasil não é uma ilha, faz parte do Mundo, onde encontraram espaço para abrigar o comunismo, o fascismo e demais assemelhados.

A era industrial e a economia passaram para a era agora denominada digital, gerando desemprego, embora surjam novas profissões com os óbices inerentes às mudanças, que exigem novas capacidades técnicas e a ansiedade com a perda das que garantiam empregos, aposentadoria e demais pseudo seguranças.

Essa nova situação levou as massas para ideologias que vão da extrema direita ao fascismo e ao comunismo, causando intolerâncias genitoras das polarizações. O mais interessante é que cada uma delas defende e propaga o mesmo alvorecer para alcançar objetivos assemelhados, por caminhos diferentes, que levam a disputas para garantir – assim o dizem – o bem-estar dos povos, definido segundo cada sistema de ideias. Para lembrar um termo em moda, deveríamos alcançar a tal da Democracia, termo esse muito mal empregado, pois significa apenas um sistema eleitoral que permita à maioria da população escolher alguém que – supostamente – a vai defender.  Seja por qual motivo for, esses extremismos nada construíram. Mas sei que deles advieram o aumento e a pressa ansiosa de conseguir tais metas utópicas cujos resultantes são as destruições, desavenças, brigas, sangue e mortes que sempre foram a argamassa de todas as Guerras. Sejam elas locais, tribais ou mundiais. A mídia atual engorda as dúvidas, aumentando a ansiedade da Humanidade, ao invés informar.

Quando assisto a tantas mortes, desatinos, destruições, recordo-me de minha infância quando ouvi por vez primeira, contada em minha língua materna, a lenda reescrita por Monteiro Lobato que dizem por aí foi obra de Esopo (620 a.C.? — 564 a.C.?), de existência histórica bastante duvidosa…

Mas vamos a fabular:

“Estava o cordeiro a beber num córrego, quando apareceu um lobo esfaimado, de horrendo aspecto.

— Que desaforo é esse de turvar a água que venho beber? — disse o monstro arreganhando os dentes.  Espere, que vou castigar tamanha má-criação…

O cordeirinho, trêmulo de medo, respondeu com inocência:

— Como posso turvar a água que o senhor vai beber se ela corre do senhor para mim?

Era verdade aquilo e o lobo atrapalhou-se com a resposta, mas não deu o rabo a torcer. Além disso — inventou ele — sei que você andou maldizendo de mim no ano passado:

— Como poderia maldizer do senhor no ano passado, se nasci este ano?

Novamente confundido pela voz da inocência, o lobo insistiu:

— Se não foi você, foi seu irmão mais velho, dando no mesmo:

— Como poderia ser meu irmão mais velho, se sou filho único?

O lobo furioso, vendo que com razões claras não vencia o pobrezinho, veio com uma razão de lobo faminto:

— Pois se não foi seu irmão, foi seu pai ou seu avô! 

E — Nhoque! — sangrou-o no pescoço”.

Conferir em Fábulas, Monteiro Lobato, São Paulo, Ed. Brasiliense: 1966, 20.ª edição.

Leituras de infância, dessas não nos esquecemos -nunca. Ficam encravadas na nossa espécie. Continuo dizendo “a criança é o pai do Homem” e contra a força não há argumento. Nunca mudou!

(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES) e da Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

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