Por Raymundo Netto (*)
O leitor ou a leitora de Luís Fernando
Verissimo quando assiste a suas entrevistas, não importa o período, nunca o
encontra.
Há sempre ali um "outro" homem
com o olhar quase alheio e a fala tão plácida a dar a entender um certo
desinteresse em esticar a conversa. Ao contrário do outro, as respostas,
histórias e descrições se repetem muito frequentemente, sem momentos de
arrebatamento, de movimentos ligeiros de mãos e braços, nenhuma súbita
gargalhada, nem piadas, nada que evidencie o Verissimo do papel, aquele que por
mais de 50 anos chegou à casa de brasileiros, seja pelos seus escritos,
cartuns/quadrinhos ou adaptações para programas de TV ou cinema, divertindo,
encantando e despertando reflexões sobre as coisas das mais desimportantes às
mais existenciais.
Diante dessa minha "incomodação",
esse mistério que nem o irrequieto detetive Ed Mort poderia resolver, voltei à
crônica "O Popular", aquela que intitula o seu primeiro livro - com o
curioso subtítulo "crônicas ou coisa parecida" -, publicado na década
de 1970.
Verissimo nos conta dessa pessoa que tem
"uma fatal curiosidade pelo detalhe supérfluo, um fascínio irresistível
pelo insignificante", aquela cujo "habitat natural é à margem dos
acontecimentos". Assim o descreve: "um sujeito com as mãos nos bolsos
e um embrulho embaixo do braço".
Não importa o que esteja acontecendo no
mundo, esse tal sujeito pode ir, por exemplo, comprar alguma coisa no armazém e
na volta parar e dar uma espiadinha num território de guerra, assalto ao banco
ou numa liquidação em loja de artigos femininos. E não, não há perigo algum
para ele, pois jamais será vítima de nada, como também nunca será ele o
entrevistado. Os transeuntes, os passantes, esses sim, mas o Popular jamais!
Penso que o cronista é esse Popular, um
fino e inviolável observador das coisas e das gentes. Mas essa percepção em si,
por mais aguçada e minuciosa que seja, não nos impactaria se não fosse
registrada em papel. Um fato que se deu para Verissimo aos 33 anos, por
obrigação, pela necessidade pecuniária de sobrevivência da família - estava
casado com a dedicada e gentil Lúcia Helena, sua guardiã, e tinha uma primeira
filha, hoje, além de jornalista, roteirista e tradutora, também escritora:
Fernanda Verissimo.
Nos anos seguintes ao "O
Popular", ocupando espaços em grandes periódicos do País, além de mais
dois filhos - Mariana e Pedro -, acumulou uma produção extraordinária, como
poucos, atingindo em cheio os seus leitores, e por eles sendo reconhecido pela
brilhante agudeza, ironia e diversidade de seu humor e pela revelação de nossa
risível sociedade (des)humana, promovendo e consolidando a grandeza do gênero
crônica, um dos mais democráticos - cabe tudo nele - e o mais brasileiro de
todos.
Porém, a vida, conforme o cronista, é
apenas "um breve hiato de perplexidade entre dois vazios". A morte,
essa "titica", é uma das únicas certezas da vida. Outra delas, assim
penso eu, é a nossa incapacidade de aceitá-la plenamente.
Numa noite verissimas dessas, uma de suas
"cobras" - a combinação do seu gosto por quadrinhos com suas
limitações como desenhista, dizia - pergunta: "Será que há vida após a
morte?
A segunda cobra responde: "Parece que
sim, mas tem que ter pistolão!"
E, afinal, meu querido Verissimo, vai nos
deixar sem saber o que o Popular traz nesse embrulho?
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 8/09/25. Vida & Arte, p.2.
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