domingo, 5 de outubro de 2025

A INCONCLUSA IGREJA DE SÃO FRANCISCO EM FORTALEZA

Na época do Governo JK, final dos anos cinquenta do século XX, habitantes do bairro Jacarecanga e seus arrebaldes, em Fortaleza, estavam nitidamente motivados para erguer uma Casa de Deus, em substituição à pequena Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes, um templo já sobejamente exíguo para comportar o considerável afluxo de devotos que a demandavam.

Existia um esforço conjunto, com larga participação de paroquianos, englobando atividades para captação de doações, afora outras ações para obter recursos financeiros, a exemplo de quermesses, leilões e vendas de brindes variados (lápis, borrachas, cadernos e outros apetrechos), que anunciavam o lema da campanha “Em prol da construção da Igreja de São Francisco de Assis”.

O trabalho coletivo de tantos não foi, porém, suficiente para soerguer a imponente construção, que findou em fincados alicerces, com um piso alto, a amparar as grossas paredes, sem a coberta, e submissa às agressões do ambiente, persistindo, há muito tempo, como uma obra inconclusa, a desafiar o indômito e impetuoso arrojo da gente cearense.

Presentemente, dessa obra de engenharia, a única estrutura acabada, e em uso, é a capela dedicada à Santa Edwirges, recepcionando, humildemente, os devedores de estratos mais pobres, que supinam por graças e migalhas, para sanar seus débitos, porquanto aqueles de maiores posses, embora “aprisionados” nas dívidas contraídas, são melhor recebidos numa igreja, em suas cercanias, do lado contrário, na mesma Avenida Leste Oeste, templo também sob a tutela da padroeira universal dos hipotecados de todas as classes sociais.

Uma conjunção de causas contribuiu para aniquilar a intenção da comunidade de dispor desse prédio sacro: o declínio social e econômico do Jacarecanga; o avanço do mar, engolindo várias ruas; a redução relativa do contingente católico da capital cearense; o aparecimento de igrejas católicas nos bairros vizinhos; a secularização pós-modernidade, com a laicização da sociedade; a carência de líderes paroquianos interessados e compromissados com o empreendimento; e a prioridade da Arquidiocese de Fortaleza em terminar a construção da catedral metropolita.

Por oportuno, cabe prantear a não-canalização do propósito comunitário, depois da inauguração da catedral, para concluir a majestosa Igreja de São Francisco de Assis, em Jacarecanga, tão acalentada pelo Padre Hélio Campos, o apóstolo do Pirambu, da Fortaleza da década de sessenta; decorridas mais de quatro décadas de paralisação, a nossa Massadah aguarda, com paciência e resignação, que as lideranças católicas, em parceria com o povo fortalezense, reativem a obra.

Avistada por terra, pelos que circulam pela Avenida Castelo Branco (a Leste-Oeste), em toda a sua extensão, até à Barra do Ceará; por mar, pelas embarcações, que tangenciam nossas belas praias; e pelos ares, quando da aterrissagem de aeroplanos, essa igreja, se retomada a sua obra, seria um bastião diferenciado, pois, em vez de canhoneiras ameaçadoras, do Forte que simboliza essa cidade, ter-se-ia São Francisco, de braços abertos e aconchegantes, espargindo, dos estigmas puntiformes de suas mãos, as graças hospitaleiras da Paz de Cristo.

Prof. Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Médico e economista em Fortaleza

 * Nota: Publicado originalmente In: SOBRAMES – CEARÁ. Inspiração. Fortaleza: Expressão, 2006. 130p. p.104-6.

Referência: SILVA, Marcelo Gurgel Carlos da. A inconclusa Igreja de São Francisco em Fortaleza. In: SOBRAMES – CEARÁ. Inspiração. Fortaleza: Expressão, 2006. 130p. p.104-6. (Antologia da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores – Regional Ceará).


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