Na época do Governo JK,
final dos anos cinquenta do século XX, habitantes do bairro Jacarecanga e seus
arrebaldes, em Fortaleza, estavam nitidamente motivados para erguer uma Casa de
Deus, em substituição à pequena Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes, um
templo já sobejamente exíguo para comportar o considerável afluxo de devotos
que a demandavam.
Existia um esforço
conjunto, com larga participação de paroquianos, englobando atividades para
captação de doações, afora outras ações para obter recursos financeiros, a
exemplo de quermesses, leilões e vendas de brindes variados (lápis, borrachas,
cadernos e outros apetrechos), que anunciavam o lema da campanha “Em prol da
construção da Igreja de São
O trabalho coletivo de
tantos não foi, porém, suficiente para soerguer a imponente construção, que
findou em fincados alicerces, com um piso alto, a amparar as grossas paredes,
sem a coberta, e submissa às agressões do ambiente, persistindo, há muito tempo,
como uma obra inconclusa, a desafiar o indômito e impetuoso arrojo da gente
cearense.
Presentemente, dessa
obra de engenharia, a única estrutura acabada, e em uso, é a capela dedicada à
Santa Edwirges, recepcionando, humildemente, os devedores de estratos mais
pobres, que supinam por graças e migalhas, para sanar seus débitos, porquanto aqueles
de maiores posses, embora “aprisionados” nas dívidas contraídas, são melhor
recebidos numa igreja, em suas cercanias, do lado contrário, na mesma Avenida
Leste Oeste, templo também sob a tutela da padroeira universal dos hipotecados
de todas as classes sociais.
Uma conjunção de causas
contribuiu para aniquilar a intenção da comunidade de dispor desse prédio
sacro: o declínio social e econômico do Jacarecanga; o avanço do mar, engolindo
várias ruas; a redução relativa do contingente católico da capital cearense; o
aparecimento de igrejas católicas nos bairros vizinhos; a secularização
pós-modernidade, com a laicização da sociedade; a carência de líderes
paroquianos interessados e compromissados com o empreendimento; e a prioridade
da Arquidiocese de Fortaleza em terminar a construção da catedral metropolita.
Por oportuno, cabe
prantear a não-canalização do propósito comunitário, depois da inauguração da
catedral, para concluir a majestosa Igreja de São
Avistada por terra,
pelos que circulam pela Avenida Castelo Branco (a Leste-Oeste), em toda a sua
extensão, até à Barra do Ceará; por mar, pelas embarcações, que tangenciam
nossas belas praias; e pelos ares, quando da aterrissagem de aeroplanos, essa
igreja, se retomada a sua obra, seria um bastião diferenciado, pois, em vez de
canhoneiras ameaçadoras, do Forte que simboliza essa cidade, ter-se-ia São
Francisco, de braços abertos e aconchegantes, espargindo, dos estigmas
puntiformes de suas mãos, as graças hospitaleiras da Paz de Cristo.
Prof. Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Médico e economista em Fortaleza
Referência: SILVA, Marcelo Gurgel Carlos da. A inconclusa Igreja de São
Francisco em Fortaleza. In: SOBRAMES – CEARÁ. Inspiração. Fortaleza:
Expressão, 2006. 130p. p.104-6. (Antologia da Sociedade Brasileira de Médicos
Escritores – Regional Ceará).
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