quinta-feira, 29 de março de 2012

NÃO DÁ PARA LUTAR CONTRA, INFELIZMENTE...

Por João Brainer Clares de Andrade (*)
Como iniciante no ofício médico, com parcos 5 anos de contato como acadêmico, confesso que, a despeito da pouca data e natalícios, conviver com a morte ainda parece ser o maior dos desafios.
No curso da formação, quando a ciência nos é dada como arma de salvação, aquela capaz de aniquilar quaisquer agravos conhecidos, a possibilidade de falha pouco nos é apresentada. Dão-nos, portanto, superpoderes; esquecem-se de nos informar, por mais breve e simples que possa ser, que, apesar de toda a labuta, perder também faz parte do jogo, perder também faz parte da luta...
Inconformados com o que seria o “fracasso”, seguimos estarrecidos ante a perda de um paciente... Na arte e na ciência de ser médico, na contramão da falta de recursos e dos salários minguantes, somos postos como filhos e pais de cada doente que nos aparece. Passamos a guardá-los sob nossa ciência e nosso coração: o zelo pelo doente desconhecido excede o puro gosto pela descoberta da doença e dos testes terapêuticos; a beleza de nossos livros de milhares de páginas ganha um segundo plano em nome do carinho quase que filial que passamos a nutrir.
Passamos horas depois das obrigatórias a imaginar os mais esquivados diagnósticos; reabrimos os mais distantes livros da prateleira e submergimos na cibernética em nome de soluções que nos deem munição de alto calibre contra a morte ou a enfermidade. O sorriso do paciente e seu abraço de despedida na alta tornam-se objetos de grande desejo, tornam-se sonhos em poucos minutos!
As forças na luta contra o insucesso alheio, infelizmente, têm efeito paradoxal: o que há de útil ao próximo que adotamos como filho ou pai não se vale da mesma utilidade ao próprio asclepiano; não aceitamos a própria doença, não sabemos lidar com a própria enfermidade... Assim, também acabamos transferindo, quase que involuntariamente, nossa “superproteção”, nossos “superpoderes”, aos pacientes sob responsabilidade. Não aprendemos, pois, a admitir a doença, seja a quem for, seja de que forma for...
Certa vez, fui rebatido por uma professora quando frisei em uma aula que o maior objetivo do médico é lutar contra a morte. A experiente médica, dona de uma subjetividade humana ímpar, foi enfática: “Somos formados com uma visão equivocada. Aprendemos a ter meios de brigar contra a morte, mas eliminá-la não deve ser tida como a nossa missão primordial; antes de tudo, ofereçamos qualidade de vida, devolvamos o sorriso ao nosso paciente, enchamo-lo de esperança, concedamos dias melhores, a despeito da vinda inevitável do derradeiro dia...”. Paralisado ante a lição da professora, que excedia todas as lições de clínica médica que me haviam sido dadas, em face comovida, envolto pelo olhar cuidadoso e reluzente da experiente médica, consegui citar:
- Não dá para brigar contra a morte, infelizmente, infelizmente, infelizmente...
(*) Acadêmico de Medicina da Universidade Estadual do Ceará. Membro da Sociedade Brasileira de Médios Escritores, Ceará.
Publicado In: O Povo, 27/03/2011. Jornal do Leitor, p.2.

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