João Brainer Clares de
Andrade (*)
É bem verdade que a atual Copa não aflorou os
ânimos de suas antecessoras. Em um momento talvez pontuado pela efervescência
das manifestações de junho passado, o Brasil abortou sua postura passiva ante
os desmandos governamentais: a postura de “público”, como batizou Lima Barreto,
deu lugar à vanguarda que se indigna com a má gestão. No entanto, na abertura
de uma Copa, pouco se viu a radiante expressão brasileira tão conhecida e
esperada nos locais além-mar. Fomos tímidos, havia pouco entusiasmo e usamos poucos
recursos audiovisuais para, talvez, fazer vistas à expressão da “brasilidade”.
E o que seria trunfo transformou-se em uma festa com pouca identidade e, pior
ainda, pouca identificação. Não nos vimos devidamente representados em nossa
própria casa. Até o sorriso dos jogadores parecia ter ficado restrito às
figurinhas dos álbuns.Mais tímido ainda foi o chute de partida. Em um projeto que requereu o somatório de quase 30 anos de estudos e a participação de quase 25 países, o médico e neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis foi traído pela apologia excessiva à figura dos cantores americanos que lhe roubaram espaço nas filmagens. Um jovem paraplégico conseguiu dar o chute que marcaria, finalmente, um legado: a ciência prestava-se ao bem de devolver esperança àqueles que pareciam condenados a paraplegia. Um pesquisador brasileiro, que teve que buscar apoio e financiamento morando nos Estados Unidos, finalmente, retornava ao seu país para lhe deixar a lição: “estou trazendo de volta a esperança e a ciência que me permitiram construir fora daqui”. No entanto, a música oficial, essa pouco cantada em português, pareceu ser mais importante: trocaram a importância do papel da ciência
Os legados, infelizmente, foram poucos. Pouco se modernizou, pouco se aperfeiçoou, pouco além dos estádios se construiu. Perdemos oportunidades ímpares de dar celeridade a projetos arrastados por anos que poderiam nos trazer o conforto que sempre se viu em outros países-sedes. Principalmente, a projeção que se daria ao projeto do dr. Miguel Nicolelis nós perdemos... De legado, enfim, fica a indignação, a esperança perdida. Até a nossa Praça Portugal, tão visitada pelos ferrenhos trocadores de figurinhas (essas infelizmente no sentido real, e não naquele da troca de opiniões ou experiências) também não restará como legado.
(*) Médico residente de
Neurologia.
Publicado In: O Povo, de 14/06/2014 . Opinião. p.12.
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