Por EUGÊNIO
BUCCI
A cada palavra que Dilma pronuncia, sua
aprovação cai. Seus improvisos conspiram contra ela a todo momento.
Existe um forte movimento para derrubar Dilma Rousseff. O
movimento labial. Dela própria. Os índices de desaprovação da presidente batem
todos os recordes e, para piorar, os insatisfeitos vão às ruas caudalosamente
para protestar contra a governante. Esta, de seu lado, não se ajuda. Suas falas
de improviso – imprevisíveis e imprevidentes – conspiram contra ela própria a
todo momento. Os improvisos de Dilma constituem um fator sério de embaraço para
o governo dela. Talvez sejam o fator mais grave, muito embora hilariante, de
desestabilização política.
Quando Dilma solta o verbo e principia a dizer o que
pensa (ou o que parece pensar que pensa), dá-se o desastre institucional em
forma de comédia. Seus enunciados geram piadas prontas de repercussão imediata
e retumbante. É impossível não rir do ridículo autoimposto. Convertidas em
musiquinhas ritmadas nas redes sociais, sua tirada sobre a “mulher sapiens” e
sua louvação apologética da mandioca já figuram entre os clássicos do
cancioneiro galhofeiro (nesse caso, a galhofa se volta contra a própria
compositora). Suas incursões à corrente filosófica da “negação da negação”
revelam-se igualmente impagáveis. Aquela história da meta que não é meta
nenhuma (igual a zero, portanto) e que será dobrada tão logo seja atingida,
convenhamos, deixa no chinelo tanto a dialética de Karl Marx como a estética de
Groucho Marx (além da matemática, por certo). Não dá para não rir, mesmo
chorando ao mesmo tempo.
Estamos submetidos a um discurso paradoxal, elíptico e
disruptivo. Num país que, como já se disse, a cada 15 anos esquece o que se
passou nos últimos 15 anos, a presidente se afirma como um prodígio imbatível.
A cada final de frase, ela se esquece completamente do que pretendia dizer no
início daquela mesmíssima frase. Considerando que suas orações costumam ser
curtas, o negócio da memória que não tem memória (como a meta que não é meta
nenhuma) transparece ainda mais. A incredulidade nervosa se apossa do público.
Quando Dilma fala, um sentimento de aflito suspense
consome a parcela ultraminoritária da sociedade que ainda insiste em apoiá-la.
Quanto aos demais, que são a imensa maioria do povo, para eles é diversão
garantida. Quando Dilma fala, o céu certamente não se ilumina – nem se
conjumina. Quando Dilma fala, só o que acontece é que, desgraçadamente, o
Brasil se dobra de rir. E ri tanto, com tanto gosto, que vai deixando de
levá-la a sério. Se existe hoje um movimento que tudo faz para derrubar Dilma
Rousseff, é o movimento labial dela própria. A cada palavra que a chefe de
Estado pronuncia, lá se vai mais um decimal de seus escassos pontos de
aprovação. Já há quem considere que, para o bem de todos e felicidade geral da
nação, o Congresso deveria aprovar em regime de urgência uma emenda
constitucional suprimindo toda e qualquer manifestação de improviso
presidencial. Há quem argumente que esse não seria um caso de censura prévia,
mas postura preventiva.
Falando sério (se é que isso ainda é possível), se Dilma
Rousseff falasse menos, talvez a gente compreendesse mais. As coisas não
sairiam tanto do lugar. E não existiria no horizonte do Brasil a sombra da
corrosão máxima da autoridade na figura da máxima autoridade da República. Mais
um pouco e nem mesmo o motorista vai querer obedecer a ela. Falando sério,
Dilma ganharia mais se aprumasse mais sua mensagem ao país que governa, com
sobriedade, frases serenas, pensadas (antes, de preferência) e sobretudo claras.
Falando sério, estamos numa situação em que a desorientação dos improvisos
denota uma desorientação política – o que é ainda mais angustiante – e isso
precisa ser revertido quanto antes. Ainda é tempo – e isso não é uma piada.
Até aqui, o desgoverno verbal de Dilma Rousseff só lhe
prestou desserviços. Entre outros efeitos colaterais, fez com que Michel Temer
parecesse o maior estadista da história do Brasil. Em contraste com o estilo
randômico da titular, o vice encarna agora o juízo imperturbável. Enquanto
Dilma tece loas à mandioca, o vice não inclina a sobrancelha nem quando comenta
os arroubos de Eduardo Cunha. Com seus pronunciamentos estrábicos, que apontam
para sentidos opostos sem ter sentido nenhum, Dilma transferiu para Temer o
lastro da governabilidade de seu mandato. Se cair, a culpa terá sido
principalmente de seu movimento labial. Se não cair, e será melhor que não
caia, o mérito será da continência – a continência verbal – que ela deve
aprender já.
Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP.
Fonte: Época Nº 897, de 17/08/15. p.12.
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