quinta-feira, 19 de novembro de 2015

A IRÔNICA DISTOPIA DA FORMAÇÃO MÉDICA


Por Daniel Bezerra de Castro (*)
Soa estranho quando sabemos que os Estados Unidos precisam apenas de 131 faculdades
Já ouviu falar sobre Diretrizes Curriculares Nacionais? Esse é o nome dado no Brasil para o conjunto de regras que controla a formação de profissionais do ensino superior das mais diversas áreas. No dia 20 de junho de 2014, como parte do pacote de mudanças da Lei dos Mais Médicos, foram lançadas as novas Diretrizes Curriculares Nacionais no curso de graduação em Medicina.
Antes de falar das diretrizes em si, permita-me contextualizar a atual formação médica no Brasil. De acordo com dados do Conselho Federal de Medicina entre 1990 e 2014 o número de escolas de medicina subiu de 83 para 234. Isso é algo ruim? Não necessariamente. Mas soa estranho quando sabemos que os Estados Unidos (país com 150% da população do Brasil) precisam apenas de 131 faculdades.
Além disso, diversos programas de Residência Médica (sim, também chamada especialização médica) vêm sofrendo com cortes no custeio e dificuldades de abrir novas vagas, vide o caso da Faculdade de Medicina de Marília que suspendeu as inscrições para a prova de residência deste ano. E agora, parece ruim? Provavelmente, visto que diversos especialistas deixariam de ser formados, mas um preço a se pagar para a manutenção mínima da qualidade de formação do profissional que vai atender o leitor na próxima vez que o mesmo for para um serviço de emergência médica.
Mas, qual a relação desse contexto com as novas diretrizes? Vistas sobre o olhar desinformado do leitor leigo as diretrizes podem parecer centradas. Mas demonstram o total desalinhamento entre os planos do partido do governo e a realidade da saúde no país. E agora? Aparenta ser algo ruim? Sim. E muito. Diferente de outros cursos de graduação onde a sala de aula é o palco-mor do ensino, na medicina o cenário de atendimento é o ambiente de eleição para a formação de profissionais. As diretrizes não sugerem que a infraestrutura física de hospitais, maternidades e unidades básicas de saúde será ajustada para comportar os estudantes das 257 faculdades de medicina do país (Não eram 234? Esqueci de atualizar o leitor: 23 novas faculdades foram criadas no último ano). As diretrizes também não mencionam que o quadro de médicos preceptores para todos esses alunos será redimensionado assim como não fala em nenhuma medida para garantir à sociedade que o médico formado possua o mínimo de qualificação para garantir a segurança do paciente.
Por último, as diretrizes obrigam que, a partir de 2018, a quantidade de vagas de residência seja igual a de médicos formados no país. Quantos casos como o da Faculdade de Marília vão ter que ocorrer para percebermos o abismo que existe entre a utopia imaginada pelas diretrizes e a irônica distopia da formação médica no país?
(*) Professor de Medicina da Uece.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 17/10/2015. Opinião. p.7.

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