terça-feira, 5 de abril de 2016

CHICO DA MATILDE


Pedro Henrique Saraiva Leão (*)

Na primeira metade do século XVIII, no Brasil, o português Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal (1699-1782), proibiu a escravidão dos nossos índios, motivando a importação de africanos. Este tráfico floresceu em 1518 e implicou a exportação para nossas praias de diversas doenças também passageiras dos navios negreiros. Era o que o historiador francês Louis Labourie denominou, com propriedade, “l’unification microbienne du monde”.

Dos barcos africanos aqui arribaram daquele continente a febre amarela, malária, dengue, filariose, bouba, e a maioria das viroses que ainda nos afligem e matam. A abolição da escravatura entre nós foi decretada em 25/3/1884, começando por Acarape (atual Redenção), Ceará, no ano anterior, e, precedendo por cinco anos a Lei Áurea, da Princesa Isabel (15/5/1888). Tal pioneirismo recorda o valente jangadeiro cearense Francisco José do Nascimento, o “Dragão do Mar”, negando-se a transportar aqueles escravos até nossa terra firme.

Tempos depois, mesmo sem a disseminação marítima, as moléstias continuaram a vingar no Novo Mundo: a febre amarela (África, 1778) transmitida pelo “Aedes aegypti”, no Brasil (Pernambuco) desde 1865, e extinta (?) em 1942, ou ‘57. A dengue, relacionada a essa permaneceu no Brasil – com a complacência oficial – perfazendo 1.649 casos em 2015. A malária (África; Ásia) – impaludismo ou sezão – é causada por um “Plasmodium” e difundida pelo mosquito “Anopheles”. Até 1946 o principal problema sanitário mundial estaria erradicado no Brasil em 1962, segundo o pesquisador paulista Ricardo Veronesi (“Doenças Infecciosas e Parasitárias”, 1960). Ledo engano daquele notável cientista.

Há quase 13 (treze!) anos as tentativas governamentais de cubanização deste país não escondem o registro atual de 300 mil casos brasileiros de malária por ano. A lepra, ou hanseníase (1874), oriunda da África Oriental (Egito) – ali já mencionada em 1350 a.C. – vitimou 31.560 conterrâneos em 2014. Embora desarraigada em países sérios, neste sua incidência mundial só é inferior à da Índia. O Brasil continua sendo – nos últimos 13 anos – o mesmo “sanatório geral”, ou “um vasto hospital” como preconizou Miguel Pereira, (“À margem da Medicina”) em 1922.

D’África vieram outrossim o vírus “Marburg” (Uganda, 1967), a febre “Lassa” (Nigéria, 1969), o vírus Ebola (rio no Zaire). Os dois vírus da imunodeficiência humana (aids) seriam igualmente africanos. O primeiro foi identificado em cinco homossexuais de San Francisco (EUA, 1981), e o HIV – II descoberto na África Ocidental, em 1985. Desde 8/2010 atuam, mercê do “Aedes aegypti”, dois outros afrovírus, o “chikungunya” (Tanzânia, 1953) – este conosco há 15 anos com permissão do governo – e o “zika” (Uganda e Nigéria), na Bahia em 4/2015, possivelmente trazido para a Copa do Mundo em 2014, hoje aterrorizando a planeta.

O “zika” parece associar-se à microcefalia congênita e à não menos gravíssima doença de Guillain–Barré, também causada pela dengue. Seria uma vingança africana pela escravização de seus filhos? O abolicionista cearense “Dragão do Mar” era conhecido pelos amigos como “Chico da Matilde”. Que a terra lhe seja leve. “Requiescat in pace”.

(*) Professor Emérito da UFC. Titular das Academias Cearense de Letras, de Medicina e de Médicos Escritores.

Fonte: O Povo, Opinião, de 2/3/2016. p.10.

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