domingo, 10 de abril de 2016

DEMOCRACIA E LEGITIMIDADE PARTIDÁRIA


Por Paulo Elpídio de Menezes Neto (*)

Traço simpático do caráter brasileiro está na capacidade de rir de suas dificuldades, zombar das pequenas-grandes tragédias de sua vida como povo e nação, de recobrir as maldades, a desonestidade e a inépcia dos agentes do poder com o manto irônico da anedota. Essa engenharia de catarse de fuga dá-nos a capacidade de transformar certezas em dúvidas, crimes em virtudes, faltas em tropeços. E de reduzir a hipocrisia do homem público (sem as mentiras, as verdades não existiriam...) a metáforas do bem fazer, por obsequiosa renúncia da consciência.

As oposições e contraposições internas dos atores públicos e do que seja lá o que politicamente representam buscam, nas horas mais frementes dos embates, a conciliação, a conveniência tranquilizadora dos acertos, das alianças feitas, historicamente, “por cima”, bem ao gosto das elites e de suas ambições patrióticas. Ou pelas estreitas convergências corporativas e sindicais.

Quão legítima pode apresentar-se um sistema partidário tomado de assalto por 26 partidos, carecidos de projetos e lideranças, recolhidos a clubes de interesses ou em incestuosas relações familiares que compartilham o Fundo Partidário, as contribuições privadas, os “lobbies” militantes – e os bens do Estado? A vida pública brasileira é percebida por parte substancial da população dotada de consciência política como o espaço de simulacros e estratagemas. A quem aproveitará esse mal-estar e o descrédito causado pelos atores políticos e a perda de confiança nas instituições públicas?

Chegamos a um ponto crítico da curva de nossa vida política quando a aparência suplanta a realidade. Os atores públicos perderam, no Brasil, o “script” de seus papéis: o discurso político tornou-se, entre nós, exemplo de banalização da inépcia e da negação da verdade. Apagou-se o equilíbrio da retórica política: a lógica e a gramática foram esmagadas nos tropos da fala dos agentes do Estado, a metáfora e a metonímia transformaram-se em figuras de insulto pessoal. Desrespeitam-se as instituições e os procedimentos legais; instrumentos normativos subalternos sobrepõem-se à Carta das regras fundamentais, criam-se conselhos populares em desrespeito ao princípio democrático e republicano da representação e do mandato. Eleições foram reduzidas a um contrato de gaveta, quando não a um estelionato de índole fiduciária.

Georges Smiley, personagem de John Le Carré (“O Espião que veio do frio”), assiste da janela da sua sala, quando o nazismo dava seus primeiros passos triunfantes, estudantes da juventude hitlerista atirando livros da biblioteca a uma fogueira, no pátio da universidade. Nada pôde fazer, a não ser ficar fumando, com aquela alegria selvagem de quem descobriu, por fim, o inimigo.

Ficaremos nós, à janela, assistindo temerosos e convenientes ao nascimento de novos inimigos e da persistência dos velhos, desta “pátria tão pobrinha”, “...uma ilha Brasil, talvez”, nas palavras ternas de Vinicius? Assim, contraídos, na passiva e frustrante posição de um “coitus politicus interruptus”?

(*) Cientista político. Membro da Academia Brasileira de Educação e do Instituto do Ceará.

Fonte: O Povo, 6/04/16. Opinião, p.10.

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