O que eu posso
acrescentar pela experiência que tenho é que não só do Cabo da Boa Esperança
para lá, mas também da parte de aquém, se usa igualmente a mesma conjugação.
Conjugam por todos os modos o verbo rapio, não falando em outros novos e
esquisitos, que não conhecem Donato nem Despautério(a). Tanto que lá chegam
começam a furtar pelo modo indicativo, porque a primeira informação que pedem
aos práticos, é que lhes apontem e mostrem os caminhos por onde podem abarcar
tudo.
Furtam pelo modo
imperativo, porque, como têm o misto e mero império, todo ele aplicam
despoticamente às execuções da rapina. Furtam pelo modo mandativo, porque
aceitam quanto lhes mandam; e para que mandem todos, os que não mandam não são
aceitos. Furtam pelo modo optativo, porque desejam quanto lhes parece bem; e
gabando as coisas desejadas aos donos delas por cortesia, sem vontade as fazem
suas. Furtam pelo modo conjuntivo, porque ajuntam o seu pouco cabedal com o
daqueles que manejam muito; e basta só que ajuntem a sua graça, para serem,
quando menos, meeiros na ganância. Furtam pelo modo permissivo, porque permitem
que outros furtem, e estes compram as permissões. Furtam pelo modo infinito,
porque não tem fim o furtar com o fim do governo, e sempre lá deixam raízes, em
que se vão continuando os furtos. Estes mesmos modos conjugam por todas as
pessoas; porque a primeira pessoa do verbo é a sua, as segundas os seus criados
e as terceiras quantas para isso têm indústria e consciência. Furtam juntamente
por todos os tempos, porque o presente (que é o seu tempo) colhem quanto dá de
si o triênio; e para incluírem no presente o pretérito e o futuro, de pretérito
desenterram crimes, de que vendem perdões e dívidas esquecidas, de que as pagam
inteiramente; e do futuro empenham as rendas, e antecipam os contratos, com que
tudo o caído e não caído lhes vem a cair nas mãos.
Finalmente nos mesmos
tempos não lhes escapam os imperfeitos, perfeitos, plusquam perfeitos, e
quaisquer outros, porque furtam, furtavam, furtaram, furtariam e haveriam de
furtar mais, se mais houvesse.
Em suma, o resumo de toda esta rapante conjugação vem a ser o supino do
mesmo verbo: a furtar, para furtar. E quando eles têm conjugado assim toda a
voz ativa, e as miseráveis províncias suportadas toda a
passiva, eles, como se tiveram feito grandes serviços, tornam carregados e
ricos: e elas ficam roubadas e consumidas... Assim se tiram da Índia quinhentos
mil cruzados, da Angola, duzentos, do Brasil, trezentos, e até do pobre
Maranhão, mais do que vale todo ele.
Nota do Blog: O sermão do grande orador sacro jesuíta segue válido nos dia atuais
do Brasil.
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