quarta-feira, 15 de março de 2017

LUTAR SEMPRE


Meraldo Zisman (*)

Médico-Psicoterapeuta
Só ao envelhecer temos condições de nos perguntar sobre o que fizemos toda a vida. Estou apreensivo com o aumento da violência no mundo. Para quem passou trabalhando em plantões de hospitais, ambulatórios, consultórios, dormindo e vivendo em alojamentos hospitalares, procurando minorar o sofrimento do próximo, esta constatação é muito trágica. Nos bancos escolares da infância, criei-me dentro de uma mistura do português falado no Brasil e o iídiche (uma espécie de alemão falado pelos judeus da Europa Central e Oriental) de meu pai prestamista - fugido da Bessarábia, lugar este tão improvável que, a esta altura, deve ter mudado de nome.
Minha mãe nasceu no Rio Grande do Sul (terceira geração no Brasil), ambos judeus de origem eslava. Para falar a verdade, não sei o motivo destes meus gostos de ajudar às pessoas sofredoras e deste meu vício pela leitura. Não gostei muito de esportes, e até hoje considero-os uma sublimação do espírito guerreiro.
Aprendi a me interessar pela política nacional e internacional com meu pai e seus amigos prestamistas (mascates israelitas), nos bancos da Praça Maciel Pinheiro, vulgarmente denominada Praça dos Judeus. Naquele tempo, era o lugar mais frequentado por essa gente de Nação. Apesar de ser desajeitado em fazer amizade, certamente devido à minha timidez nata, terminei sendo taxado de orgulhoso. Confesso, às vezes, mesmo depois de velho, tenho vontade de colocar uma prancheta, pendurada no pescoço, com os dizeres: Não sou chato, sou tímido e acanhado.
Terminei muito sozinho de "amizades", porém Deus foi bondoso comigo e proporcionou-me minha mulher Maria das Graças e meu cachorro Sócrates e meus filhos Andréa e Márcio. Poucas foram as pessoas que me entenderam em um mundo cada vez mais interessado pelo dinheiro e pelo egoísmo. Continuo a ser o que sou. Muitos me consideram um besta, um petulante ou um introvertido.
Certa vez, em reunião da Congregação ou Conselho Departamental, um colega psiquiatra me disse no embate de uma grande e estéril discussão acadêmica:
- Você não conta, Meraldo, não faz mal a ninguém!
Não me impunha. E meu pai me dizia:
"Ou você é muito bom ou não tem personalidade". Continuo não sabendo guardar, por mais de meia hora, raivas ou mágoas de alguém. Estavam certos, mas eu não era do feitio de eternizar brigas ou desavenças. Pensava:
- Nós não somos eternos para que eternizar inimizades?
Outro besteirol que ainda passa pela minha cabeça é o de acreditar na lenda que, por meio da cultura, do saber e, da ciência será possível melhorar a humanidade. E, o mais grave, é, apesar da minha história de mais fracassos que vitórias, permaneço um esperançado no gênero humano.
Durante todos esses anos dedicados à Medicina, permaneci fiel às minhas leituras e muito mais à minha consciência. Para mim, o computador me facilitou a escrever, porém pretendo usá-lo apenas como editor de texto ou facilitador de alguma consulta na Internet. Apesar de achar uma maravilha a facilidade da comunicação, continuo acreditando no valor das antiquadas cartas. Acho que foi Victor Hugo (1802-1885) que cunhou a expressão "um homem civilizado escreve cartas".
Sempre fui muito trabalhador, interessado em tudo o que acontece em minha casa e em todo o mundo. Não desejo tomar o lugar da juventude e suas peripécias. Desde que o mundo é mundo as gerações se sucedem... E o pior é ser considerado um velho transviado.
Não ando por aí fazendo alarde nem de minhas dores nem de meus pesadelos e muito menos das minhas frustrações. Escrevi sobre minha vida pessoal nos livros Jacob da Balalaica (sobre meus pais), Dois Dedos de Prosa e Eu Digo, este último denuncio as querelas paroquianas das nossas Universidades.
Escrevi também Nordeste Pigmeu e um outro livro sobre Violência, a Metamorfose do Medo, que foram mencionados parcamente no Brasil. Jamais em Pernambuco! Apesar da pouca repercussão de meus trabalhos, fui recentemente convidado para passar seis meses, na qualidade de cientista visitante, na Clínica Tavistock, de Londres, o mais tradicional centro psicoterápico, em Londres, trocando experiências no setor de Violência Urbana, envolvendo principalmente os adolescentes e os jovens.
Comecei minha vida universitária pesquisando e denunciando a fome ancestral da maioria da população infanto-juvenil brasileira. Como não foi de estranhar, atraí as críticas dos ortodoxos e também dos heterodoxos que não conseguem sair das suas desnutridas pesquisas. Atualmente esses fatos já não me incomodam tanto, pois sei que dentro das minhas bisonhas condições fiz o que pude para evitar o morticínio de jovens na faixa etária dos 14 aos 25 anos.
A vida se encarregou de mostrar-me o País, que não era uma vida tão "protegida" para os judeus que fugiram dos pogroms das suas terras natais e passaram a ser "galegos da prestação" no Recife. Banqueiros poderiam ser, porém penetrar no santuário do poder, nunca! Não mereciam confiança. Tenho a esperança de que o Brasil venha a ser um país de todas as raças, de todas as culturas que possam se comunicar, entre elas. E descobri que a violência nas relações humanas juntamente com a fome são as nossas maiores pragas - fatos que depois se tornariam o tema principal de minha contribuição como profissional de saúde.
O que mais me marcou na minha infância foi quando deixei o Colégio Israelita e fui estudar no Colégio Osvaldo Cruz, no Recife. Pela primeira vez, pressenti, ao sair do meu gueto social, o preconceito antissemítico. Ler foi à salvação e a parte principal e a parte didática de apreender compreender o Mundo.
Dois fatos marcaram por demais minha vida pós-graduação: uma quando fui ser médico residente (aprendiz) no Hospital dos Servidores do Estado (Rio de Janeiro) e a outra quando fui realizar estágio na Inglaterra. Daí passei a ter uma visão mais ampla das coisas: profissional ou pessoal. Hoje, os Estados Unidos dominam tudo, sinto muita saudade de Paris, de Londres das minissaias da Mary Quant e do existencialismo de Jean-Paul Sartre (1905-1980). E, na minha adolescência, deleitava-me com a Guerra Civil Espanhola descrita por Ernest Hemingway (1899-1961) no seu emblemático - Por quem o sino dobram? Suas touradas, lutas de boxes e valentias povoaram minha mente em formação.
Após a Segunda Guerra Mundial (Holocausto) e, em plena Guerra Fria, chegaram os anos 60, 70 e 80. Com eles, os protestos dos jovens em Paris, a revolução hippie que teve alcances planetários com seus rapazes e moças trajando calças jeans e camisetas. O encontro dos Mundos. Pela primeira vez na história do homem, os jovens do Terceiro Mundo dialogavam com os do Primeiro Mundo. Drogas e sexo que eram temas reprimidos de repente passaram a fazer parte do cotidiano. A juventude misturava-se pedindo Paz e Liberdade. Ilusão da revolução universal e também o fracasso de tudo isso... Assisto desolado a este Planeta de movimentos inacabados, apesar da esperança inabalável por um mundo melhor.
Que pena! Mas, valeu à pena. Fica para o futuro. Tudo fracassou apesar de serem esses movimentos argamassas para uma pavimentação de uma estrada que conduza a uma sociedade mais justa. Passado (aparentemente) o perigo nuclear, muro de Berlim, voltamos às guerrilhas, atentados de todas as maneiras, invasões, luta pela energia, ecologia e o aquecimento da Terra. Terrorismos e "homem bomba". Verdade - vivemos mais tempo, porém sem melhorar a qualidade de vida.
E para concluir lembro-me, quando criança, perguntava a minha mãe quando o mundo ia se acabar, e ela respondia:
- Meu filho, o mundo só se acaba para quem morre.
Resolvi, então, continuar caminhando e quero morrer bem vivo. Muito vivo! Assim estou nos meus 72 anos, muito vivo e permaneço com a mesma capacidade de me indignar como se fosse um jovem adolescente com muitos sonhos para realizar. Toda grande notícia de hoje, amanhã passará a ser mero "jornal de ontem". Lutar sempre, apesar das limitações que a Biologia imponha, é o meu Dever.
(Recife, 01.03.09)

(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).

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