Por Pe. Eugênio Pacelli SJ (*)
Dizem que no Brasil tudo só começa depois do Carnaval.
Para nós, cristãos, o tempo é precioso demais para passar sem ser percebido.
"Deixa a vida me levar" não é opção de vida do cristão.
A vida é sempre uma travessia. Travessia para o novo e
desconhecido. Somos peregrinos, num caminho povoado de desafios que podem
atrofiar a visão e nos colocar à margem do caminho, sozinhos, sem encanto e sem
sonhos, ou um caminho repleto de sinais que nos impulsionam para frente e
preenchem nosso coração de ousadia.
O tempo da Quaresma é para nós, cristãos, tempo
privilegiado para retomar o ritmo da marcha, esvaziar as mochilas do supérfluo,
reabastecer-nos do essencial, retomar as metas discernidas e assumidas diante
de Deus. Já diziam os mais antigos: tempo é questão de preferência. O que dá
sentido ao tempo vivido é a atenção que damos ao nosso mundo interior. A maior
parte das pessoas vive como se a vida interior não precisasse de tempo,
esquecem que a vida de dentro se revela na de fora. A vida interior precisa de
tempo para morar no silêncio. Silêncio é mistério, é lugar de entrega e
encontro. O tempo da Quaresma nos convida a cuidar da nossa vida interior.
A oração, a esmola e o jejum são as três atitudes mais
características do tempo da Quaresma. A oração é adentrar-nos no nosso próprio
interior, porque aí se faz ouvir a voz de Deus. O jejum é um "olhar
amoroso e vigilante" sobre e para si mesmo, uma tomada de consciência
sincera na direção de uma transformação profunda. Tem a finalidade de nos
possibilitar a experiência da falta. Descobrir que, além dos alimentos, é o
Senhor da vida que nos nutre. O jejum e a sobriedade favorecem a aproximação
espiritual a Deus e aos irmãos que sofrem. Diante de uma sociedade que valoriza
o ser humano em função do que consome - "consumo,
logo existo" - nosso jejum é o grito
que anuncia que o ser humano é valioso em si mesmo, porque assim o é para Deus.
A oração e o jejum nos capacitam a compartilhar com os outros a generosidade
que Deus desperta. E isto tem um nome: esmola. Quanto mais vivemos em Deus,
menos somos nós o centro, menos dependentes das coisas e mais receptivos somos
aos outros.
(*)
Sacerdote jesuíta e mestre em Teologia.
Fonte: O Povo, de 9/3/2019.
Opinião. p.16.
Nenhum comentário:
Postar um comentário