quinta-feira, 4 de abril de 2019

EPIDEMIOLOGIA DA ANSIEDADE - SERÁ?

Meraldo Zisman (*)

Médico-Psicoterapeuta
O objetivo da epidemiologia é reduzir os problemas de saúde da população. Na prática, ela estuda principalmente a ausência de saúde sob as formas de doenças ou agravos. É também importante não confundir endemia com epidemia. Quando uma enfermidade existe somente numa região, é considerada uma endemia; quando se difunde para outros lugares, atingindo mais de uma cidade, uma região ou todo o país, chamamo-la de epidemia e quando se alastra pelo mundo é considerada uma pandemia.
Vale comentar os propalados direitos humanos, cujos defensores esquecem que cada ser humano é singular, tanto biológica quanto psiquicamente, e ainda que a ordem por eles defendida permite apenas melhorar a organização da sociedade, não reformá-la. A maioria da população crê nos políticos e nas instituições. Se não acreditassem nos direitos humanos, a sociedade não seria viável. Para a filósofa Hannah Arendt (1906 -1975) os direitos humanos não são um dado, mas um constructo, uma invenção humana, em constante processo de edificação e reconstrução. Com isso não desejo afirmar, e me acastelo, que os sistemas jurídicos internacionais são válidos para todos os lugares ou deveriam sê-lo, mesmo que teoricamente.
Os conceitos ligados aos direitos humanos refletem uma construção axiológica, erguida a partir de um espaço simbólico de luta e ação social, compondo uma racionalidade de resistência na medida em que traduzem processos que abrem e consolidam espaços para a dignidade humana. Invocam, nesse sentido, uma plataforma emancipatória voltada à proteção da dignidade humana.
Os direitos humanos são um organismo consciente que visa a assegurar a dignidade e a evitar sofrimentos em face da persistente brutalidade humana. Considerando a historicidade dos direitos, destaca-se a chamada concepção contemporânea de direitos humanos, expressa em dois documentos: a Declaração Universal de 1948 e a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993.
Referindo-se ao dedo-duro, denunciante, o escritor francês Jules Romains (1885-1972) diz: “as vocações de delator abundam na espécie humana”. Imagine agora quando premiada!?
Como médico e cidadão pergunto:
— Qual o impacto psicológico de anos de notícias negativas na vida de um país? Como afetam a saúde mental da população? Não chego a dizer que os brasileiros são os que mais sofrem com a ansiedade, apesar de a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmar que somos os que mais sofremos de transtornos de ansiedade, no mundo. Na verdade, os dados alarmantes sobre a situação mental no país apontam que 23,9% da população apresenta algum tipo de transtorno de ansiedade.
Deixando de lado as estatísticas, lembro que nosso país atravessa uma grande crise, o que por si só cria ansiedade. Atribuir aos meios de comunicação a origem dessa crise é simplificar demais. Culpar a mídia isoladamente é ingênuo, para não dizer algo mais grave sobre essa epidemia de ansiedade.
Contudo, apesar de entender plenamente que a mídia brasileira deva estar vinculada aos problemas do país e os abordar a partir da perspectiva nacional, a mídia não deveria ser porta-voz da cultura punitiva que hoje domina todos os setores da vida nacional. Medo, ódio, revolta ou desejo de vingança é o que não tem faltado no cenário sociopolítico brasileiro, gênese da ansiedade.
Creio que o suicídio de pessoas comuns, desempregadas, sem importância midiática, o aumento do consumo de ansiolíticos e a depressão generalizada deveriam ser mais bem acautelados. Não sou eu quem o diz: ‘Não são as notícias que fazem o jornal, e sim o jornal que faz as notícias; a questão é que os jornais não são feitos para divulgar, mas para encobrir as notícias’. Livro: Número Zero, de Umberto Eco. Ed. Record, página 57;162, ano: 2015.
Será que estamos sendo expostos a notícias ‘selecionadas’, que propositadamente provocam maior ansiedade?
Será?
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

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