quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

PANDEMIA E SUBJETIVIDADE

Por José Jackson Coelho Sampaio (*)

Desde quando McLuhan, na década de 1960, estabeleceu o conceito de Aldeia Global, vivemos às turras entre desenvolvimentos do real concreto (levar a vida) e do real abstrato (pensar a vida) e entre uns e outros. Ficou claro, aos poucos, que o globo não se comportaria como uma aldeia, socialmente homogênea, próxima da experiência de família, clã ou tribo, com território ampliado ao planeta.

Vimos a mudança do critério organizador da ideia de aldeia, mantendo o mesmo ar de marasmo, mas reordenada por faixa etária, hábito de consumo, profissão de crenças esquemáticas (lógicas do slogan e da partidarização) etc. Multiplicaram-se aldeias a testarem fronteiras entre si, sem nascerem, ou sendo violentados ao nascer, sistemas democráticos globais. O lema do século XIX, "trabalhadores de todo mundo, uni-vos", teve a universalização do trabalho superada pela universalização do capital, que se beneficia das crises de toda ordem e dos avanços tecnológicos, reprodutores dos modos de pensar.

Diante do capitalismo financeiro globalizado e da fragmentação belicosa da webesfera em aldeias desterritorializadas ideologicamente, ou reterritorializadas por crenças esquemáticas, explicações passionais de como levar a vida, nos colocamos diante de outra pergunta: como a experiência da informação em tempo real, filtrada por algo/alguém com poder de filtro, ou a experiência das guerrilhas virtuais, com assassinatos no mínimo simbólicos dos que forem diferentes de narciso, pode afetar nossa consciência?

A consciência tem pelo menos quatro faces, sempre misturadas: a consciência para os outros, isto é, a personalidade, que pode ser conservadora (identidade) ou inovadora (criatividade), e a consciência para si, isto é, a subjetividade, que também pode ser identitária ou criativa. Considerando-se este esquema fluido, sem estatuto de forma ou de lei, quais reações, imediatas e mediatas, podem ser identificadas frente à pandemia da COVID19, a 1ª do mundo globalizado?

Diante do nenhum ou pouco saber, esquecidos das epidemias anteriores registradas na história, manipulados por interesses econômicos e/ou político-eleitorais, vamos criando, nas ruas e na internet, nas campanhas eleitorais e na busca de hegemonia midiática, alguns padrões de reação: os mais primitivos e perniciosos são, num extremo, o negativismo e, no outro, a afirmação belicosa de uma ignorância. Entre os extremos, quatro destaques: instintuais reacionários, instintuais progressistas, intelectuais reacionários e intelectuais progressistas.

Haja tribo a buscar hegemonia no discurso das redes de comunicação de massa, sempre reducionistas ao slogan pela busca da maior cobertura; no discurso das bolsas de valores e dos chamados mercados, desterritorializados; e no discurso político-partidário; todos em crise, apartados das práticas por trás dos discursos. As igrejas, que poderiam oferecer conforto privado, disputam o mercado político-partidário. Enquanto isso, o indivíduo sofre o destino de bola de tênis de mesa, para lá e para cá, parecendo folha morta, mas com o sofrimento próprio do humano perdido na floresta. 

(*) Professor titular de Saúde Coletiva e Ex-reitor da Uece.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 24/12/20. Opinião, p.21.

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