quinta-feira, 7 de março de 2024

A PRAÇA COMO LUGAR DE FALA

Por Célia Perdigão (*)

Meus nomes: Encanamento, Bandeira, Clóvis Beviláqua. Bem cuidada da General Clarindo a Antônio Pompeu. Incorporaram as Caixas d'Água, Faculdade de Direito e reservatório soterrado inoperante. Ocupar praças, uma antiga mania local.

E hoje? Hospitais, antigas residências, templos religiosos e maçonaria, preservados. Em contraponto, muitas edificações atrás de seculares fuligens, sujidades e gigantes letreiros. Olho pra dupla do direito. Cadê a respeitável sede de um curso secular? Não se orgulharia de mirar-se no espelho. Vislumbraria a imagem do Largo de São Francisco. Merecia um tratamento a altura de sua importância social e simbólica. Vejo os irmãos em situação de rua. Literalmente pendurados na Faculdade e na área escavada. Urgente tratar esses problemas. Não é ali que as Leis são lecionadas?

Sinto o equivocado baixo relevo da Cagece e sonho que a empresa irá se redimir do desmantelo promovido, recompondo a outrora área verde até as Caixas d'Água. Já o humilhado Clóvis Beviláqua merecia tratamento digno.

Volto-me afinal para as Caixas d'Água, seus muros e pequeno anexo art déco. Quanto abandono! Trechos destruídos, fuligem, árvores decepando muros. Algo muito grave em curso. Derrubada de muros e "restauração", inserindo novas paredes e usos. Sei que os espaços vazios são tão importantes quanto os cheios. Aliás, sem os primeiros, não existiria sequer distanciamento para vivenciar os últimos. Os volumes em tela se expressam sobretudo pelos vazios, criados pelos pilares e vergas de concreto. Acima da trama pousam os massivos reservatórios, bem proporcionados. Delicadas armações de ferro abraçam as caixas na direção da trama. Tudo compõe a linguagem leve e transparente. Afinal, com seus volumes sublinhados pelos vazios, preenchê-los seria cancelar sua forma de ser. Restauração equivocada.

Há tempos aguardo um restauro cercado de jardins. Obras, apenas de conservação, com realces luminotécnicos. Pela monumentalidade, resistência, memória, transparência, referencial urbano, leveza, singularidade e beleza. Não basta?

(*) Arquiteta. Especialista em história e conservação de monumentos antigos na França.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 3/02/24. Opinião, p.20.


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