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quinta-feira, 26 de junho de 2025

TARDE NA GAUDINCHA

A Bete e Ricardo Bezerra

Fui convidado, na última sexta-feira, a tomar parte em uma reunião à tarde na Gaudincha, residência que o professor, arquiteto e compositor Ricardo Bezerra e a sua mulher Bete mantêm na Cidade 2000. O convite logo mexeu com a minha memória: uma fotografia aérea em preto-e-branco tirada no ano de 1970 do novíssimo bairro, com suas mínimas casas arranjadas num xadrez cartesiano, marcado pelos cheios e os vazios, e sua praça central, cujo desenho lembra a derretida taça Jules Rimet, o famoso caneco, ganho pela Canarinho no Tri do México na mesma data. Miesiano de carteirinha e já avisado sobre o que iria encontrar, preparei-me para não gostar e botar defeito, como todo arquiteto metido (e há outro tipo?). O certo é que ganhei uma das melhores aulas da vida.

Depois de acionar um chocalho que serve como campainha, fui calorosamente recebido pelo meu anfitrião e por alguns colegas e amigos que já lá estavam. O térreo é ocupado pelo atelier de um pintor, cujos trabalhos são muito coloridos e movimentados. A casa se organiza espacialmente em torno de um núcleo hidráulico, uma torre de banheiros e caixa d'água. Subimos por uma escada tortuosa revestida com lascas de cerâmica. Só então compreendi a razão de ser do nome da morada: uma homenagem a Antoni Gaudí (1852-1926), arquiteto catalão, autor de obras célebres que marcam a paisagem de Barcelona, e a Manoel Francisco dos Santos, o Mané Garrincha (1933 - 1983), grande jogador, famoso pela imprevisibilidade dos seus dribles, condição essa presente na casa.

Chegamos a uma varanda agradável voltada ao sul. Já nos aguardava um belo bule de café forte e quente, além de uma quituteira com tapiocas de coco de receita tradicional. O volume central estabelece à sua volta espaços com usos diversos, onde se pode trabalhar, comer, dormir, conversar ou curtir a vista das dunas da Praia do Futuro. Móveis e objetos retrô (sorry, tricolores) voltam à vida através da generosidade dos donos da casa. Enquanto batíamos papo, descobri ou imaginei que a Gaudincha era um jardim vertical de trepadeiras floridas que, na sua escalada, definia mil platôs (merci, Deleuze e Guattari) habitáveis. Um teto-jardim, descoberto e aberto para os lados, nos presenteou com jabuticabas e bananas-passa. Vizinha, a cidade do capital, feia e previsível, com suas luzes.

Resumo da ópera: um banho de simplicidade e sabedoria na construção de um ambiente doméstico. Casa com cara de casa, com a personalidade dos seus moradores, e não uma máquina de morar, branca e anódina, como naquele filme do Jacques Tati. Na despedida, a caminho do bar, eu e o Ricardo já tínhamos sobre as nossas cabeças as primeiras estrelas da noite. No percurso, pensei de mim para comigo: "A casa é de quem a habita. Por que os arquitetos gostam tanto de determinar o morar alheio?". Na morada que acabara de visitar, o verde dialogava com a tapioca que por sua vez indagava a escada que levava aos aposentos que se comunicavam com o céu. O material e o imaterial interligados. Lá não havia fronteiras, apenas continuidades. Viver ali só pode ser bom demais.

(*) Arquiteto e professor da UFC. Sócio do Instituto do Ceará. Colunista de O Povo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 26/05/25. Vida & Arte. p.2.

segunda-feira, 5 de maio de 2025

Neudson, livros e a memória criança

Por Izabel Gurgel (*)

Das coisas bonitas que li em 2025, transcrevo uma fala do professor Neudson Braga, arquiteto e urbanista. Uma fala no contexto do "raro momento em que o arquiteto é projetista e cliente ao mesmo tempo", como escreve Cristiane Alves, ex-aluna e autora de "Neudson Braga e o modernismo arquitetônico em Fortaleza", publicado em 2019.

Ler é escutar. A bem-dizer, escuto Neudson sobre a construção, na Fortaleza de 1970, da casa que desenhou para morar com a família: "Minha casa foi um desafio maior para mim, pois eu queria criar possibilidades de fazer uma construção artesanal com qualidade, valorizando inclusive aquilo que é próprio da obra. Eu procurei usar um material só, uma madeira só, um tijolo só. Os meus mestres levaram as oficinas para a obra. Eles tinham muito orgulho do que estavam fazendo. Aquilo para eles era uma obra-prima! (...) O mestre das pedras recortava cada peça com tanto cuidado, como se fossem esculturas. Era um primor! Todo mundo fazia aquilo como se fosse a primeira vez, com muita paixão e dedicação".

Ele é o autor, dentre tantos outros projetos, do BEC dos Peixinhos, de 1968, inaugurado em 1973. A nomeação diz sobre como incorporamos à nossa experiência de Cidade a sede do banco cuja construção foi um alívio para a calçada. Bem-bom para o vento. A oxigenação de uma esquina da Barão do Rio Branco, no Centro, a nos dar chão e gosto de olhar para o céu, que alguém já disse estar dentre as melhores coisas de Fortaleza. Vontade de beleza.

Crianças de mais de uma geração ensinaram a pais e tias, a quem quer que nos levasse pela mão, a brincar de parar o tempo e fruir da graça de prestar atenção, no caminho, ao caminho. Olhar o chão, mundos, ganhar o mundo. Cada peixe, os peixes, as águas, espelho d'água, o nome tão bonito quanto contínuo o movimento, uma superfície respiradora, feito você e eu. A cidade virava um quintal, parque, rio, lagoa, mar à nossa medida, espelhando nossos olhos argutos e arregalados, nossas bocas abertas e a abundância de céu sobre nossas cabeças. O que o senhor faz, Seu Neudson? Desenho aliviadores, amplifico vazios, dou corda à imaginação, conspiro por espaços lembradores do que somos. Criaturas que sentem muito.

Joia do Ceará, Neudson Braga vai fazer 90 anos dia 5 de junho. Tem um presente público em pauta. Uma instrução de tombamento da casa-sede da Fundação Waldemar Alcântara, em Fortaleza, foi entregue à Secretaria da Cultura do Estado. Você já ouviu Neudson dizer, amparado no humor, que talvez seja 'o arquiteto vivo mais demolido do mundo?'.

Se eu soubesse desenhar, faria um livro como aqueles que Neudson fez para si na infância. E daria, para o menino construtor dos próprios brinquedos, uma amostra portátil do efeito do canteiro de alegriazinhas que ele plantou no lugar mais importante de uma cidade, que é a rua, a calçada, como nos lembra Leminski. Faria o livro com cuidado de primeira vez.

(*) Jornalista de O Povo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 30/03/25. Vida & Arte, p.2.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

SUA MAJESTADE, O COBOGÓ

Por Romeu Duarte Junior (*)

"Cobogó é coisa de pobre!", bradou-me certa feita um colega e amigo de forma tão categórica que quase perdia de mim esta última condição. Na ocasião, amante dos materiais construtivos como todo arquiteto que se preza, lembrei-me da célebre frase de Louis Khan: "O que quer ser um tijolo?". Certamente, o preconceito não deve ser a argamassa da construção. Todo material é digno e sua utilização numa obra adequa-se à sua essência e às suas possibilidades. Há beleza e funcionalidade tanto numa parede maciça de tijolo cru quanto numa extensa pele de vidro. São tecnologias diferentes que às vezes se completam, num diálogo fascinante entre o singelo e o complexo. Ah, se todos fossem simples e úteis como você, cobogó, o mundo seria muito melhor, sem frescura...

Como tudo o que nos envolve, este item de obra, arquitetura e design tem uma história. De origem recifense, o cobogó foi criado em 1929 por um grupo de engenheiros, o português Amadeu Oliveira Coimbra, o alemão Ernst August Boeckmann e o brasileiro Antônio de Góis, que denominaram a novíssima peça juntando as primeiras sílabas dos seus sobrenomes. Lúcio Costa, o tal, difundiu-o em suas obras modernistas como a releitura de uma herança da cultura árabe, presente desde sempre na arquitetura colonial portuguesa. De uso popular, atende também por combogó e elemento vazado, expressão esta talvez mais adequada aos defuntos encontrados varados de balas nos cafundós. Conheci-o nos corredores da Escola de Arquitetura da UFC. Sim, foi paixão à primeira vista.

Espalhado por todo o Brasil, o cobogó é versátil: deixa passar o vento, apara o sol criando belos jogos de luz e sombra, garante a exaustão do ar quente e preserva a intimidade dos interiores, "livrando a mulher do que a rua pudesse oferecer...", tal como dizia poeticamente Armando de Hollanda, saudoso dos velhos muxarabis de Olinda. Inicialmente executados em cerâmica por extrusão industrial, com ingênuos desenhos florais e geométricos, os cobogós atuais são feitos de materiais diversos, até de porcelana e resina plástica, com projetos elaborados por designers e produzidos através de máquinas comandadas por computador. No começo, restrito aos banheiros e áreas de serviço das casas populares, o cobogó, metido, ganha hoje espaço nas mansões e nas exposições.

Portanto, foi com alegria e alívio que, passando pela Av. Pessoa Anta, na Praia de Iracema (que parece recobrar a antiga vitalidade), deparei com a fachada da Casa Cor Ceará 2024. Um véu cerâmico, perfurado e serpenteante, muito bem construído, sugerindo aos olhos arranjos plásticos os mais variados, chama a atenção do mais desavisado passante. "Quero ver quem ainda terá a coragem de dizer que cobogó é coisa de pobre...", pensei de mim para comigo. Se de dia a renda vermelha filtra e traduz os raios de sol em arte, à noite o pano coleante inteiro transforma-se numa gigantesca luminária via efeitos luminotécnicos. Há uma grande lição nisso tudo: É preciso conhecer os materiais, o que nos podem dar. Na trama esplêndida da arquitetura, o tradicional e o moderno irmanam-se.

(*) Arquiteto e professor da UFC. Sócio do Instituto do Ceará. Colunista de O Povo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 4/11/24. Vida & Arte. p.2.

quinta-feira, 7 de março de 2024

A PRAÇA COMO LUGAR DE FALA

Por Célia Perdigão (*)

Meus nomes: Encanamento, Bandeira, Clóvis Beviláqua. Bem cuidada da General Clarindo a Antônio Pompeu. Incorporaram as Caixas d'Água, Faculdade de Direito e reservatório soterrado inoperante. Ocupar praças, uma antiga mania local.

E hoje? Hospitais, antigas residências, templos religiosos e maçonaria, preservados. Em contraponto, muitas edificações atrás de seculares fuligens, sujidades e gigantes letreiros. Olho pra dupla do direito. Cadê a respeitável sede de um curso secular? Não se orgulharia de mirar-se no espelho. Vislumbraria a imagem do Largo de São Francisco. Merecia um tratamento a altura de sua importância social e simbólica. Vejo os irmãos em situação de rua. Literalmente pendurados na Faculdade e na área escavada. Urgente tratar esses problemas. Não é ali que as Leis são lecionadas?

Sinto o equivocado baixo relevo da Cagece e sonho que a empresa irá se redimir do desmantelo promovido, recompondo a outrora área verde até as Caixas d'Água. Já o humilhado Clóvis Beviláqua merecia tratamento digno.

Volto-me afinal para as Caixas d'Água, seus muros e pequeno anexo art déco. Quanto abandono! Trechos destruídos, fuligem, árvores decepando muros. Algo muito grave em curso. Derrubada de muros e "restauração", inserindo novas paredes e usos. Sei que os espaços vazios são tão importantes quanto os cheios. Aliás, sem os primeiros, não existiria sequer distanciamento para vivenciar os últimos. Os volumes em tela se expressam sobretudo pelos vazios, criados pelos pilares e vergas de concreto. Acima da trama pousam os massivos reservatórios, bem proporcionados. Delicadas armações de ferro abraçam as caixas na direção da trama. Tudo compõe a linguagem leve e transparente. Afinal, com seus volumes sublinhados pelos vazios, preenchê-los seria cancelar sua forma de ser. Restauração equivocada.

Há tempos aguardo um restauro cercado de jardins. Obras, apenas de conservação, com realces luminotécnicos. Pela monumentalidade, resistência, memória, transparência, referencial urbano, leveza, singularidade e beleza. Não basta?

(*) Arquiteta. Especialista em história e conservação de monumentos antigos na França.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 3/02/24. Opinião, p.20.


quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

CUIDANDO DO QUE CUIDA

Por Célia Perdigão (*)

Sempre relacionamos muros protegendo nossos lares. Agora numa escala gigantesca. Ávila, na Espanha, e outras cidades medievais europeias seriam as mesmas sem suas muralhas protetoras e cheias de plasticidade? Certamente, não. E por que a alusão? Explicamos. Numa escala menor, o Náutico volta à cena. Livre de uma investida esmagadora, com enormes edifícios em seu terreno, o alvo se volta para os muros. Proposta: alugar outro trecho, demoli-lo e montar uma loja com feição de shopping center.

Temos assistido a reformas/destruições em muros de edificações relevantes sob pretextos questionáveis. Citemos a Escola Jesus Maria José, cujos muros foram deteriorados. Ou o Colégio Doroteias, que trocou o seu original por um modernoso. Ambos tombados. Já o Colégio Imaculada preserva fachada e muros desde sempre. O mesmo se dá na Casa de Câmara e Cadeia de Icó, cujos muros contam sua história desde antes da proteção legal. Os tombamentos auxiliam na preservação de nossa identidade. Mas por vezes, órgãos de proteção não impedem atitudes destrutivas, quando capturados pelo poder econômico. Infringindo sua essência, não têm sensibilidade nas análises, determinando poligonais incompletas - contornos de proteção. O Náutico aí se encaixa.

Imagine o Imaculada sem muro ou abrigando uma cantina? Ou a Câmara de Icó com uma farmácia no muro? Será o futuro do clube. Equívoco técnico com os muros fora da área protegida. Como assim? Eles contornam grande parte do clube e portam seu emblema. Concedem privacidade e compõem o mirante da praia na área das piscinas. Que aberração um muro virar uma vitrine de shopping! Outro símbolo se vai.

O clube passa por dificuldades gerenciais e de conservação. Medidas descaracterizadoras não o trarão ao patamar merecido. O BNB e o Ideal são referenciais de gestão. Esperamos que o órgão local de preservação retifique o tombamento, incluindo os muros e leve o fato a sério. Afinal, muros, muretas, muralhas, presente.

(*) Arquiteta. Especialista em história e conservação de monumentos antigos na França.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 2/12/23. Opinião, p.18.

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

CANCELANDO O MARECHAL

Por Célia Perdigão (*)

Nunca se pensou antes em fazer um memorial que prestasse homenagem aos que batalharam pela abolição no Ceará. Ao que parece há uma imagem no jardim do Dragão do Mar no Centro do mesmo, um pequeno setor sobre escravidão no Museu do Ceará - fechado, um museu dos escravos em Redenção, ainda existente? E uma alegoria sobre o tema em uma pintura na ACL.

Porque não contribuir com algo de grande envergadura, salientando lutas e personagens sobre a temática abolicionista, com recursos atuais que nos transportem aquele mundo traumático e suas conquistas heroicas?

Por que anular ou semi anular a nossa história quando o mais adequado seria extrair do ex-presidente seus erros e possíveis acertos, compondo um espaço de reflexão sobre os acontecimentos que bem ou mal traduzem o que somos e o que não fomos capazes de ser?

Os espaços museológicos hoje são muito dinâmicos e possibilitam visitas mais reflexivas e atraentes.

Aqui no Ceará há uma verdadeira mania de remanejamento dos espaços sem respeitar suas essências. Cito por exemplo os "pier" da Beira Mar. Lugar essencialmente para leves caminhadas e apreciação do mar e imediações vai ser transformado em comércio.

Como é possível que o mar não se imponha como o principal componente do lugar?

Já arrastaram areia a um ponto de quase retirar o mar.

Como é possível uma Beira Mar sem mar? Só aqui pode acontecer isso.

O comércio e as construções são imperativos sobre tudo o mais.

Por que ninguém fala alto? Por que ninguém reclama?

Tenho certeza de que há muitas pessoas sensíveis e incomodadas. Por que não falam? Por que não fazem ver os que não percebem?

Estas pessoas que só pensam em mudanças inadequadas e comércio "partout" não viajam? Não leem? Não assistem programas do século XXl?

Há que acontecer alguma reação. Nesse passo o que restará do que temos de interessante? De memória? De história? De natureza? De belo? De inteligente?

Uma visão lúcida integraria o imóvel - abandonado - onde nasceu o único cearense que ocupou o posto maior da República.

Deixem o memorial do Castelo Branco em paz ou façam algo inteligente e belo na toada original.

(*) Arquiteta.  Especialista em história e conservação de monumentos antigos na França.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 14/09/23. Opinião, p.18.

terça-feira, 27 de setembro de 2022

VIVA LIBERAL DE CASTRO!

Por Joaquim Cartaxo Filho (*)

Encontrei com o Mestre Liberal de Castro, pela última vez, sob chuva e separados pela grade que estabelece a fronteira entre o jardim da casa dele e a calçada da rua Gervásio de Castro. Era uma manhã de 2021. Estávamos ainda ameaçados pelas variantes da Covid-19. Eu não estava mais confinado em casa, havia retornado ao trabalho. Já ele continuava retido.

A prosa rolou quanto à fita K7 que achou entre as "coisas desorganizadas" do escritório dele em casa, como costumava comentar, cujo conteúdo era o depoimento do arquiteto Nestor de Figueiredo tomado pelos arquitetos Eliane e Amaurício Cortez, então estudantes.

Ouvia-o. Ora dizia sim, ora afirmava com a cabeça. Até que o interrompi e indaguei sobre o que ele queria que eu fizesse com a fita. Então, me solicitou que desse um jeito de transcrevê-la, pois supunha ser relevante para a memória da cidade.

Daí fui à luta: encontrar um toca fita para rodar um K7 com 40 anos. Achei o especialista que a recuperou e transferiu o conteúdo para o meio digital. Quanto à transcrição, a encaminhei ao Liberal e lhe telefonei para saber o que fazer com a fita. Me disse que encontrasse uma que a conservasse.

Sobre a transcrição, perguntei-lhe se iria trabalhá-la e editá-la na revista do Instituto do Ceará, onde publicava ensaios. Respondeu-me: você que mexe com planejamento urbano examine o depoimento do Nestor e publique a análise, sem esquecer de registrar os créditos relativos ao Amaurício e a Eliane.

Assim, desde as aulas da graduação e pós, Liberal me fez trilhar os caminhos surpreendentes da história da arquitetura e do urbanismo; me fez compreender e me comprometer com a produção espacial do lugar, conectada com a dimensão universal cujos elementos arquitetônicos identificava na arquitetura popular, adaptada ao ambiente semiárido cearense. Neste sentido, prefaciou meu livro "A cidade fatual", argumentando que a pobreza e exclusão social não se tratavam de um problema unicamente de Fortaleza.

Liberal deixou-nos no dia 9/9/2022, mas legou-nos a obra do intelectual da arquitetura que arrancava do passado, presente no patrimônio histórico edificado, as possibilidades ofertadas pelos futuros.

Viva Liberal de Castro!

(*) Arquiteto urbanista e superintendente do Sebrae/CE.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 26/09/22. Opinião, p.22.

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

SOBRE CRAVOS E MANGUEIRAS: à memória de José Liberal de Castro

Por Romeu Duarte (*)

Conheci-o em 1981, mal entrado na Escola de Arquitetura da UFC, quando, logo no primeiro encontro, inoculou-me o vírus do patrimônio. Ácido, crítico e mordaz, de uma cultura e de uma inteligência fascinantes, gostava de abrir cabeças, não de fazê-las. Tudo isso me passou pela memória como um raio, eriçando meus pelos, quando soube da notícia no comecinho da noite de ontem. Ele agora está ali, num esquife repleto de cravos, cujo perfume intenso me craveja a alma. Na chegada ao velório, destroçado, sou por todos tratado como se fora um filho seu. Mestre, mentor e guru de gerações de arquitetos cearenses, agora dorme o seu eterno sono. Magro como um passarinho, num severo paletó, o véu imóvel sobre a face sisuda. Choro como um menino órfão.

Os familiares e os muitos amigos se acomodam para pranteá-lo no vestíbulo do pavilhão, naquele instante transformado em câmara mortuária. "Velá-lo aqui foi a melhor decisão", disse de mim para comigo, "aqui, nesta escola, que sempre foi a sua casa". E as lembranças me atropelam, como a um pobre cachorro cego numa rua movimentada. As aulas da sua disciplina, nossa viagem a Icó, o telegrama de felicitações pela minha formatura, seu apoio quando dirigi o IAB e o IPHAN, uma longa conversa numa tarde, quando me contou sua ida ao Rio de Janeiro para trabalhar e estudar. Até as nossas brigas entraram no rol das recordações. Jovens estudantes, que nunca foram seus alunos e poderiam ser seus netos, graves e solenes. O forte olor dos cravos mistura-se ao das coroas.

Seu colega-amigo-irmão chega amparado. À beira do ataúde, diz: "Mais de 60 anos de amizade e convivência, e agora?". Meus olhos fitam os seus, os quatro marejados. Abraço-lhe e beijo-lhe a testa. "Lembra de que vocês dois ficaram até o fim do enterro do meu pai?", perguntei-lhe. Ele me sorriu e devolveu o amplexo. O pátio da Arquitetura, sempre animado, servia então, com suas muitas sombras, como espaço de acolhida ao público silente e triste que não parava de vir. Todos tinham uma boa história com ele. "Viveu uma vida longa e próspera", falou-me um colega. "Você está assistindo a "Jornada nas Estrelas" demais...", brinquei. Era também o momento de rever velhos companheiros, todos nós desolados pelas últimas perdas do nosso acervo pessoal. Muito luto.

Súbito, o vento forte de setembro, que espalha o pólen-sêmen do amor pelas árvores engravidando-as, agita com suas rajadas as centenárias mangueiras do pátio. Estas idosas mangueiras, que presenciaram os esforços dos quatro destemidos arquitetos que criaram este curso. "Que esta ventania dissemine as lições do grande professor entre as gentes e que nestas brotem valores mais humanos", pedi. Recebo no celular uma mensagem da minha filha mais velha: "Foi-se uma rainha, vai-se um rei". As lágrimas me vêm novamente, mesmo sabendo que ele recusaria a alegada realeza, apesar do orgulho que guardaria no coração pelo elogio. As pessoas já conversam em rodas, preparando-se para os ritos finais. No ar, a perfumada sinfonia dos cravos e das mangueiras...

(*) Arquiteto. Professor da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Fonte: Publicado In: O Povo, de 19/09/22. Vida & Arte, p.2.

terça-feira, 20 de setembro de 2022

LIBERAL DE CASTRO & NEUDSON BRAGA

Por Lara Montezuma (*)

O arquiteto e urbanista Neudson Braga conheceu Liberal de Castro antes mesmo de começar sua carreira na profissão, ainda no Rio de Janeiro. Depois de chegar em Fortaleza, o profissional firmou uma parceria de anos com o cearense. Juntos, eles integraram a primeira equipe da Escola de Arquitetura e projetaram outros tantos edifícios importantes para o Ceará. Em depoimento ao O POVO, Neudson relembra os anos ao lado do amigo e corrobora a relevância de Liberal.

Encontro

“Eu conheci o Liberal antes de ser arquiteto, estudei na mesma universidade que ele no Rio de Janeiro. Depois eu recebi um dos primeiros trabalhos importantes que ele fez aqui, a ampliação do Colégio Cearense, e fiquei muito empolgado. Quando cheguei em Fortaleza, recebi um convite do reitor para assumir um cargo no Departamento de Obras da UFC e quem me recepcionou foi ele, no comecinho de 1960, talvez fevereiro. Como eu vinha do Rio, da mesma faculdade dele, a gente começou a conversar e a ter mais afinidade profissional, depois começamos a nos entender como pessoas. O jeito de agir, a inteligência e a cultura me faziam gostar de conversar com ele. Começamos também a trabalhar juntos num projeto muito importante, o Plano de Desenvolvimento da Universidade Estadual do Ceará em 1966, foi a primeira vez que surgiu a ideia dos campi. Nós também fizemos o Plano Diretor do Campus do Itaperi e as primeiras instalações da UECE”.

Parceria

“O Liberal tinha uma cultura extraordinária. Ele projetava, mas ao desenvolver o projeto ele tinha um certo receio. Então ele me entregava e eu finalizava os projetos. Ele tinha um escritório, mas trabalhava mais comigo do que no escritório dele. É uma parceria profissional que começou nas pranchetas e foi até o fim da vida. O nosso último projeto foi o Hospital Veterinário. A nossa conduta, até pessoal, é completamente diferente. Eu sou um homem moderador e ele não, a gente tinha que trabalhar juntos até para fazer essas compensações. Foi uma amizade que perdurou durante todo esse tempo sem nenhuma briga, nenhum estágio de discordância. Até mesmo no futebol, ele é Fortaleza, eu sou Ceará, essas coisas eram bem contrastantes. Mas, no final, era uma unidade. A gente tinha uma identidade própria”.

Escola

“A Escola de Arquitetura foi criada de uma forma diferente. De repente chega uma ordem para o reitor dizendo que a Escola tinha sido criada no decreto do Castelo Branco e seria incorporada na Universidade. O reitor convidou eu, Liberal, Armando Farias e Ivan Britto para assumir a Escola. Foi a primeira Escola de Arquitetura, em junho de 1964, e em 1965 já deveria começar. a funcionar. Eu e o Liberal saímos viajando pelo Brasil, conhecendo pessoas, discutindo programação. A gente saía para comprar coisas para montar a biblioteca da Escola, que não tinha um livro, dentro de seis meses virou uma biblioteca modelar, um acervo incrível. Foi tudo feito nesse começo. Nos móveis, nós fomos às fábricas. Tudo foi comprado por nós dois, saímos como caixeiros viajantes. Nós fomos muito convidados para eventos, antes de formar a primeira turma, nós ganhamos um prêmio internacional na Bienal de São Paulo pela Escola".

Amizade

“É uma amizade que eu considero preciosíssima. Minha mulher adoeceu e faz hemodiálise há dez anos. Ele telefonava diariamente, às 19 horas, para me animar e saber dela. É algo emocionante. Quando eu via que ele estava se aproximando do fim, me dava um desalento saber que aquela cabeça, aquela memória extraordinária, a cultura.... Ele não era um homem de arquitetura, era um homem da cultura geral. Foi um homem que abriu a história do Ceará de uma maneira diferente, ele analisava como arquiteto, do geral para o particular. Em todos os momentos da vida dele eu estive com ele e estou com ele através de orações, dos pensamentos. Sempre pensando nos desafios que enfrentamos juntos. A saudade é profunda, o carinho que as pessoas têm por ele não é em vão”.

(*) Jornalista. Colunista de O Povo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 18/09/22. Aguanambi 282, p.17 (Plataforma OP+ Streaming).


segunda-feira, 19 de setembro de 2022

LIBERAL DE CASTRO: Pioneirismo e legado na arquitetura cearense

Por Lara Montezuma (*)

Pilar no desenvolvimento da arquitetura do Ceará, o arquiteto e urbanista Liberal de Castro é homenageado por profissionais da área

O arquiteto e urbanista José Liberal de Castro (1926 - 2022) é considerado o mestre de toda uma geração de profissionais da Arquitetura. Ao conversar com alunos e colegas do cearense, as falas inevitavelmente mencionam a sua maestria na pesquisa, ensino e atuação profissional. A reputação é fundada em uma vida inteira dedicada à área, numa relação que se inicia quando o filho de José e Matilde Martins de Castro desembarcou no Rio de Janeiro, no ano de 1944, a fim de expandir os horizontes profissionais. Desde este primeiro momento até a sua partida, noticiada no dia 9 de setembro, Liberal de Castro desenhou um percurso pioneiro.

"Ele é conhecido como mestre por todos nós. O Liberal era um mentor da vida comunitária, alegre e rigoroso também. Ele trouxe para o Ceará muita coisa importante, é uma pessoa de muita capacidade no trabalho e um dos pesquisadores mais respeitáveis do Estado. É referência nacional nessa área de ensino da arquitetura e, para nós, inesquecível", afirma o arquiteto e urbanista Delberg Ponce de Leon, amigo de José por mais de 50 anos. Ainda na conhecida "Cidade Maravilhosa", Liberal ingressou na Faculdade Nacional de Arquitetura e, em paralelo, conciliou as atividades com ofício técnico na companhia Standard Oil Company. A princípio, considerava que a capital cearense não tinha tantas perspectivas profissionais, mas decidiu voltar à terra natal ao ser convidado para lecionar na Faculdade de Engenharia da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Ele também integrou o Departamento de Obras e Projetos da Universidade, onde contribuiu no planejamento das primeiras intervenções da instituição, como o novo Campus do Pici. Em 1964, Liberal recebeu o convite para desenvolver a Escola de Arquitetura da UFC ao lado dos professores Armando Farias, Ivan Britto e Neudson Braga - grande parceiro nos projetos arquitetônicos. "As cinco primeiras turmas deveriam ser, mais ou menos, umas 80 pessoas, era uma convivência quase familiar. Até recentemente o Liberal não tinha se adaptado com o nome Departamento de Arquitetura de Urbanismo e Design, para ele era Escola de Arquitetura. Conseguiram montar um curso com uma excelente biblioteca, com um acervo que muitas faculdades grandes não tinham", pontua Delberg.

Enquanto esteve presente nas salas de aulas, o docente contribuiu para a formação de profissionais por meio de conteúdos que transcorreram entre a história da arquitetura e os elementos do modernismo arquitetônico. Ponce de Leon, todavia, ressalta que o "grande papel de Liberal para a Cidade foi o trabalho em defesa ao patrimônio". O cearense obteve destaque na historiografia, sendo pioneiro no processo de documentação da arquitetura e urbanismo cearense. De acordo com o arquiteto Romeu Duarte no texto "O Pioneiro do Patrimônio no Ceará", disponibilizado na edição 2017 - 2018 do Anuário do Ceará, Liberal "passa a contar com apoio institucional e humano" para realizar pesquisas relacionadas à temática a partir do pleno funcionamento da Escola de Arquitetura da UFC, em 1965. "Como membro do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), ele conseguiu a justificativa de análise de locais como a Casa José de Alencar e o Theatro José de Alencar", cita Delberg.

O professor também realizou levantamentos da arquitetura colonial do Estado, documentos que integram o acervo do atual Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFC, em cidades como Icó, Aracati e Sobral, além de Fortaleza. Como arquiteto, foi responsável por projetos "icônicos" como a Pró-Reitoria de Extensão da UFC e o Estádio Castelão. Ainda na seara arquitetônica, elaborou variados desenhos de edifícios, desde prédios comerciais até instalações destinadas à área de saúde. Vale destacar as ocupações de Liberal de Castro como sócio-fundador da Delegação do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-CE), onde atuou como Presidente entre 1966 e 1967. Ele também foi membro do Conselho de Cultura do Estado do Ceará e do Conselho Universitário da Universidade Federal do Ceará, além das contribuições enquanto membro do Instituto do Ceará.

O arquiteto se manteve ativo até os 96 anos e, mesmo após a aposentadoria, continuava com a presença contínua nos encontros acadêmicos. Delberg rememora a última participação do amigo em um evento público, logo na data de lançamento do livro da professora e arquiteta Márcia Cavalcante, em dezembro de 2021. A pandemia causada pela Covid-19 distanciou Ponce de Leon da relação próxima que costumava ter com o colega de profissão, mas ambos mantinham contato nos últimos dois anos por longas conversas por telefone. "Nossa forma de comunicação eram telefonemas de 40, 50, 60 minutos. Nesse período inicial de isolamento, as saídas eram muito restritas e ele sentia dificuldade com esse tempo isolado. Ele gostava muito de conversar, passeava com uma grandeza por todos os assuntos que você abordasse", lembra. Desde a perda dolorosa do amigo de longas datas na última sexta-feira, 9, Delberg lembra constantemente da trajetória de Liberal.

O urbanista menciona, com carinho, a ligação íntima do "mestre" com a Escola de Arquitetura, uma das suas principais criações. Reforça, inclusive, que esse espaço era "a casa dele". A visita à biblioteca, por exemplo, era um passeio cotidiano na rotina de José. Mesmo com os avanços tecnológicos, Liberal se comunicava apenas por um telefone fixo residencial. Apreciava futebol e, vez ou outra enquanto era mais jovem, tomava um uísque nos encontros sociais. Era uma pessoa que gostava, sobretudo, de estar em conjunto, com um temperamento tido como singular pelos companheiros. "De início era uma pessoa sisuda, rigorosa, mas depois de um tempo se demonstrava um grande professor e a gente percebia o quanto ele era dedicado", comenta o arquiteto e urbanista Totonho Laprovitera. Apesar dos extensos anos de atuação profissional, Totonho relembra como o "mestre" conservava o "vigor de menino" em um desejo constante de continuar explorando cada pormenor. "Era muito bom conversar com ele, sempre tinha alguma coisa a aprender. A gente aprendia com ele até quando ele calava". Professor emérito da UFC, Liberal de Castro deixa um sentimento de "orfandade" em seus alunos, mas mantém os princípios eternizados. "Ele sempre conservou a juventude na ânsia do conhecimento compartilhado, isso é uma característica dos grandes. Ensinou com o pensamento, com a análise. O Liberal ensinou a utilizar a arquitetura como forma de promover o bem-estar das pessoas e buscá-lo, sempre procurando combater as desigualdades, com desenhos que beneficiem a todos numa perspectiva democrática de igualdade. Nisso, garanto que eu e meus contemporâneos fomos abençoados", complementa Totonho.

Para sintetizar a influência de Liberal, o urbanista frisa as mudanças em Fortaleza após as contribuições do "mestre" na Escola de Arquitetura. "A Escola está em funcionamento desde 1965. Desde a década de 1970, mudou o desenho e a linguagem da nossa arquitetura, a formação e atuação de novos profissionais, que estão ocupando espaços na gestão pública. A Cidade teve outra leitura, começou a ter personalidade própria. Hoje em dia, tem uma produção arquitetônica muito boa, com um conteúdo cultural muito grande e um estímulo ao estudo, à pesquisa e ao pensar. O professor Liberal é de uma importância grande, uma memória extraordinária e profundo conhecedor".

(*) Jornalista. Colunista de O Povo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 18/09/22. Aguanambi 282, p.17.

sábado, 17 de setembro de 2022

AH, FORTALEZA! LIBERAL DE CASTRO

Por Ana Miranda (*)

Nos anos em que morei na Prainha, passava diante do Mercado de Carnes na mimosa Aquiraz e achava bonito o prédio antigo, cheio de portas. Era meio abandonado, mas de repente ganhava um restauro. Eu ficava admirada de ele estar inteiro, ao lado de tantas casas desfiguradas por ladrilhos e grades. Ouvi um morador da cidade reclamando da "velharia" que precisava ser derrubada. Um dia fui com meu amigo, o arquiteto Ricardo Bezerra, comprar umas roscas que um senhor fazia ali ao lado e fiquei sabendo que o Mercado era tombado pelo Patrimônio Nacional, por ação do professor Liberal de Castro.

E não apenas o Mercado estava intacto por obra desse mestre da arquitetura. Também o Theatro José de Alencar. E o teatro São João, em Sobral. E a casa onde nasceu José de Alencar, no Alagadiço Novo. Antes de vir morar no Ceará eu já conhecia de nome o arquiteto Liberal de Castro. Foi um encanto ver pessoalmente sua figura luminosa e reverenciada. Sentamos lado a lado em duas ocasiões, quando pude ouvir suas palavras, seu pensamento inovador, sua sabedoria e solidez política. Como todo bom professor, ele gostava de falar. As memórias que trazia do Rio de Janeiro eram de convivência com Lucio Costa, Sérgio Bernardes, Reidy, Burle Marx. Conheceu o poeta Drummond, que trabalhava mesa a mesa com Lucio Costa e o inspirava poeticamente. O que Liberal de Castro testemunhou em sua geração de arquitetos era um verdadeiro avanço de mentalidade. Seu nome é profético: José Liberal. E castros eram antigas povoações fortificadas.

Tesouros são seus estudos, preocupados com a memória. São referência sobre a arquitetura antiga do Ceará. Li sobre a igreja matriz em Viçosa, que me toca o coração por saber que por ali pisaram os pés descalços do padre Vieira, no século 17; sobre o ecletismo da arquitetura cearense, sobre estátuas do nosso Passeio Público; o livro Ah, Fortaleza, que guardo com carinho, e algo mais. Tudo o que ele escreveu é fonte de conhecimento para o Ceará - e fonte literária para meus livros, minhas crônicas. Sou sua admiradora e sempre lhe serei grata. Todos nós, cearenses, lhe seremos gratos. Ele nos tornou melhores.

Não havia escola de arquitetura no Ceará, só de engenharia. Ao criar, com um grupo de arquitetos, a escola de arquitetura da UFC, Liberal de Castro abriu as possibilidades de nosso estado. Modernizou-nos. Foi um trabalho tão bem formulado que, poucos anos depois, alunos receberam medalha de ouro na Bienal de São Paulo. Com seus conhecimentos, sua generosa atuação, sua visão ampla e profunda, Liberal de Castro incluiu o Ceará no cânon nacional da arquitetura. E mudou o destino de nossa cidade. Ali está o Castelão para nos alegrar. Ali estão edifícios novos da universidade, pensados com delicadeza e o respeito à História de quem a conhece tão bem. E escolas, hospitais, casas de pessoas com mente aberta, como o professor Eduardo Diatahy.

Ouvi de Bete Dias: a sensação é de que uma biblioteca desapareceu. Uma maravilhosa biblioteca. Liberal de Castro é uma dessas raras pessoas que, quando partem, levam consigo todo um tempo.

(*) Escritora. Colunista de O Povo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 18/09/22. Vida & Arte, p.2.


sexta-feira, 9 de setembro de 2022

PESAR POR PROF. JOSÉ LIBERAL DE CASTRO

 

Faleceu hoje, sexta-feira, 9/09/2022, aos 96 anos de idade, o professor e arquiteto José Liberal de Castro, um dos pioneiros da moderna arquitetura no Nordeste e considerado referência às gerações de arquitetos formados no Ceará.

Graduado em Arquitetura, em 1942, pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, foi fundador do Departamento do Ceará do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-CE) em 1957 e, também, um dos responsáveis pela criação da Escola de Arquitetura da Universidade Federal do Ceará (UFC) em 1964.

Lecionou, durante décadas, as disciplinas de História da Arte, Projeto Arquitetônico e História da Arquitetura e do Urbanismo, até 1995, quando se aposentou da UFC.

Foi o principal responsável pela elaboração de projetos arquitetônicos de edificações diversas, como prédios comerciais (Palácio Progresso, em 1964), escolares (Escola Padre José Nilson, em 1961, Anexo do Colégio Cearense, em 1957), esportivos (Estádio Castelão, 1969), hoteleiros (Hotel Colonial, 1974), agências bancárias e edifícios da área de Saúde (Hospital Infantil Albert Sabin, em 1972, e o Hemoce de Fortaleza, em 1975).

Por sua profícua atividade profissional, dentre outras homenagens, o professor Liberal de Castro recebeu: a Placa de Prata do Mérito Cultural da Fundação Cultural da da Prefeitura Municipal de Fortaleza em 1994; o Troféu Sereia de Ouro, do Grupo Edson Queiroz, entregue pelo Sistema Verdes Mares de Comunicação em 2017; e a Medalha Iracema da Prefeitura Municipal de Fortaleza em 2018.

Ingressou como sócio efetivo do Instituto do Ceará: Histórico, Geográfico e Antropológico em 22/04/1991 e foi um assíduo colaborador da Revista do Instituto do Ceará, na qual publicou robustos ensaios, indicativos do vigor intelectual que bem o caracterizava.

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Sócio efetivo do Instituto do Ceará

 

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