quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

CIENTISTAS GIGOLÔS E MÃES CANGURUS

Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Até hoje não sei o porquê de querer comparar as vítimas da fome com animais em vias de extinção. Parece com os dermatologistas que quando encontram alguma doença de péssima aparência costumam batizá-la como framboesa, limão, laranja, frutas saborosas ou belas. Hemorroidas, também quando se exteriorizam, recebem o nome de couve-flor e até os proctologistas entram nessa taxinomia macabra. E assim vai.
Perguntaram certa feita ao escritor Ernest Hemingway sobre a sua perspectiva para o ano seguinte. Ele respondeu: “Como vou saber do que vai acontecer daqui a um ano se não posso dizer o que vai acontecer no próximo segundo?” Não me perguntem a causa dessas comparações dos leigos, cientistas, clérigos e militares. Como Hemingway, direi: Não sei.
Não conformado com os bichos, me volto para os Pigmeus, negrinhos pequenos da África que não crescem por problemas ou caracteres genéticos. Comparei-os ao nordestino que não cresce por falta de comida. Até escrevi um livro, de relativo sucesso editorial. Tive a petulância, ou inocência, de apelidar o livro de “Nordeste Pigmeu”. Soube depois que os Pigmeus já estão se acabando porque não cresceram. Contam-se aos mil, enquanto a raça de nanicos nordestina aumenta cada vez mais.
Depois, veio o homem gabiru. Imaginem comparar um filho de Deus, com alma e tudo, aos nojentos ratões somente por estarem com fome, por não terem o que comer. Agora, surge essa história pré-histórica de mãe canguru. O canguru é um mamífero retrógrado e atrasado na escala zoológica e que aborta os canguruzinhos antes do tempo. Arrependidos, e para compensar a maldade, guardam os filhotes numa enorme bolsa de pele agarrada à própria barriga. Dentro dessa bolsa cheia de mamilos, as mães cangurus guardam os filhotes precocemente expulsos do útero para que não morram de fome e frio.
Mães que assim procedem devem ser castigadas. Acho que Deus já está procurando solucionar o problema com a extinção dessas mães desalmadas, que doutores cientistas que pensam tudo saber chamam de marsupiais. É bom lembrar que os cangurus não passam de ratos gigantes que andam aos pulos. São os gabirus da Austrália.
Vamos a outro fato: o nosso mais antigo jornal em circulação na América Latina noticiou outro dia a realização de um Encontro Nacional de Assistência à Mãe Canguru. O evento pretende analisar o modelo de assistência ao recém-nascido. Fiquei meio confuso ao ler tal anúncio e gostaria de saber se é bebé de gente ou de canguru. Se for de canguru, tudo bem, estarei lá, pois devo, como homem do terceiro milênio, a obrigação de ser um engajado em todos os movimentos de preservação da natureza.
Outra coisa mais insólita são também os programas de aproveitamento de restos alimentícios – casca de fruta, bagaço de cana e outros lixos. Sei que o lixo da Avenida Boa Viagem, dos prédios que dão para Navegantes, é disputadíssimo pelos cata-lixo ou homens e mulheres gabirus. Não quero chamá-los de urubus na carniça. Pra azar meu, isso poderia virar samba e até frevo-canção. Espero que não adotem esse nome, pois tenho uma sorte danada para apelidar essas desgraças. Como se o pobre que passa fome – adultos, velhos e crianças – fossem uns porcos, para comer resto de comida ou mais sutilmente denominado de Lixivia. Ou restos de sobras que não sobram.
Assim já é demais. Espero que não apelidem, estes doutores da fome, de rato branco, pois são, esses médicos que fazem ciência com a fome dos outros que assim deveriam ser denominados por castigo. Acho que estão criando um novo jogo de bicho, mas espero que um dia descubram que não se faz ciência com a miséria alheia. São muito folclóricos esses “brasilianistas brasileiros”.
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Nota 1: Este artigo foi publicado no ano de 1999.
Nota 2: Ao folhearmos jornais antigos já não nos interessamos pelas notícias, pois são velhas e datadas. Já as crônicas da época, sem a contaminação do factual, acabam por se mostrar mais duradouras, e podem ser lidas, com interesse, décadas depois. “É curioso que sendo ‘soft news’ ou ‘no news’, a crônica tenha mais sobrevivência que o ‘hard news’”. (Ruy Castro)
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Foi um dos primeiros neonatologistas brasileiros.

 

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