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Coleções roubadas foram distribuídas entres bibliotecas públicas, centros culturais nazistas ou funcionários do regime (C. Neher/ DW). |
Por Clarissa Neher, da Deutsch Welle
Durante o Terceiro Reich, nazistas confiscaram obras de arte
e também livros de judeus. Muitos deles foram parar nas estantes de bibliotecas
alemães. Pesquisadores vasculham acervos para devolvê-los aos legítimos donos.
Em meio aos cerca de 8,5 milhões de livros do acervo das
bibliotecas da Universidade Livre de Berlim, Ringo Narewski e sua equipe têm
uma nobre missão: encontrar livros que foram confiscados de judeus por
autoridades nazistas durante o Terceiro Reich (1933-1945). O objetivo dos
pesquisadores é devolvê-los aos legítimos donos.
O caminho até devolução, porém, é longo e exige um minucioso
trabalho de investigação. O ponto de partida é a identificação de todos os
livros impressos antes de 1945. A universidade estima que cerca de 1,5 milhão
de livros se encaixem nesta categoria.
"A maior dificuldade
neste trabalho é o volume de livros para serem avaliados sem termos
qualquer estimativa sobre o resultado final. Além disso, se há a suspeita sobre
determinada obra, é preciso muito tempo para desvendar 70 anos de história de
uma pessoa", afirma Narewski, diretor do
grupo de trabalho responsável por identificar obras saqueadas por nazistas que
fazem parte do acervo de bibliotecas da universidade.
Nesse trabalho de detetive, a Universidade Livre de Berlim
ganhou reforço extra há um ano. Além dela, três instituições – a Fundação Nova
Sinagoga, a Universidade de Potsdam e a Biblioteca Estadual de Berlim –
reuniram as informações sobre pesquisas realizadas nesta área num banco de dados
online, o "Looted Cultural Assets" (bens culturais roubados).
Pegadas no Brasil
Nos últimos anos, a instituição verificou cerca de 44 mil
livros. Atualmente, eles investigam a origem de 2 mil assinaturas em livros. E
uma dessas histórias tem passagem pelo Brasil.
Um dos livros roubados encontrados no acervo pertenceu ao
jornalista Ernst Feder, que fugiu de Berlim para Paris em 1933. Com a marcha
nazista em direção à França, Feder emigrou para o Brasil em 1941, onde viveu,
em Petrópolis, até 1957, quando retornou para Berlim.
Sua biblioteca, com quase 10 mil títulos, foi saqueada pelo
regime nazista, e um destes exemplares foi parar na Universidade Livre de
Berlim. No momento, os pesquisadores tentam entrar em contato com os herdeiros
do jornalista para devolver a obra.
Saques durante o Terceiro Reich
De acordo com o historiador Götz Aly, a prática do confisco
foi instrumentalizada pelos nazistas para garantir a lealdade da população
alemã ao regime. Segundo ele, o roubo e redistribuição de bens e economias dos
judeus, na Alemanha e, posteriormente, em países ocupados, favoreciam
economicamente o povo alemão.
As coleções roubadas foram distribuídas entres bibliotecas
públicas, centros culturais nazistas e funcionários do regime. Depois da
Segunda Guerra Mundial, muitas destas peças foram vendidas a antiquários ou
doadas para instituições.
Desta maneira, livros saqueados foram parar também em
estantes de bibliotecas criadas depois de 1945, como é o caso das da
Universidade Livre de Berlim, fundada em 1948. Segundo Narewski, além das
doações privadas, as bibliotecas da instituição receberam livros confiscados de
funcionários do regime nazista pelo exército americano no fim da guerra.
Longa investigação
O atual projeto da equipe de Narewski se concentra na
análise de cerca de 70 mil livros que foram adquiridos pela universidade entre
1952 e 1968. Com os títulos suspeitos em mãos, a próxima fase é buscar nos
livros pistas sobre suas origens, que podem ser um carimbo, um nome escrito a
caneta, um ex libris (selo personalizado que
identifica as obras de bibliotecas particulares ou públicas) ou algum número de
referência. Descoberta alguma identificação, começa o trabalho para decifrar a
história e o percurso percorrido por esse livro até chegar às estantes da
biblioteca.
A investigação mais longa da universidade já dura três anos
e é referente a um livro que pertenceu à família Frohmann-Holländer, de
Frankfurt, que, perseguida durante o regime nazista, fugiu para os Estados
Unidos.
"Não sabemos o que
aconteceu com essa biblioteca durante três anos na década de 1930, antes da
emigração da família. Como há a possibilidade de que alguns destes livros
tenham sido vendidos na época, não podemos afirmar com certeza se a obra foi
confiscada, por isso, ainda não podemos devolvê-la, e a pesquisa continua", explica Narewski.
Após reconstruir a história dos livros, o grupo precisa
desvendar a história dos proprietários legítimos dos títulos e de suas famílias
para poder restituí-los. E aqui há outra dificuldade, entrar em contato com
estas pessoas. Muitas vezes, pesquisadores sabem quem são os herdeiros, mas não
conseguem ter acesso a eles, e, em alguns casos, e-mails ou cartas enviados são
ignorados pelos destinatários.
Trabalho que compensa
Nos últimos dois anos, a Universidade Livre de Berlim
devolveu 160 livros que foram saqueados pelos nazistas aos seus legítimos
donos. As devoluções a 75 herdeiros e instituições ocorreram na Alemanha,
Áustria, Polônia, Letônia, Holanda, Estados Unidos, Israel, República Checa,
Reino Unidos e Ucrânia.
"Essa restituição tem
uma dimensão moral. Não é uma tentativa de reparação, pois é impossível reparar
os crimes cometidos pelos nazistas, mas se trata de devolver às vítimas um
pedaço da sua história", diz Narewski.
O pesquisador destaca que, além de ser uma revisão da
história da universidade, esse trabalho preserva a memória daquele período,
para evitar que crimes como os cometidos pelo regime nazista voltem a
acontecer.
Fonte: UOL Notícias, Deutsch Welle,
de 29/11/2016.
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