quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

CRIANÇAS e PANDEMIAS (“o novo-normal”)

Meraldo Zisman (*)

Médico-Psicoterapeuta

As manchetes e os meios de comunicação, sejam profissionais ou sociais, são avaros em estudar/noticiar/ marquetear a repercussão sobre a saúde mental de crianças e jovens causada pela atual pandemia informatizada.

Como médico, enfrento desafios ao tratar pacientes com condições que não compreendo inicialmente ou que têm um repertório limitado de evidências do que denomino de fome ancestral, o que também me ilumina e me faz lembrar de que a arte da medicina costuma ser a “arte de não saber”. Livros e especialistas não têm as respostas. Essa incerteza requer humildade, uma mente aberta, exploração e ações sem compreensão total, tantas são as áreas envolvidas.

As manchetes e os meios de comunicação, sejam profissionais ou sociais, são avaros em estudar/noticiar/ marquetear a repercussão sobre a saúde mental de crianças e jovens causada pela atual pandemia informatizada.

Reflexos sobre as crianças, sobretudo aquelas desprovidas de segurança alimentar (neologismo para a fome crônica) desde a fecundação, crescidas ao desabrigo, desagasalho, desproteção, abandono, desamparo, desarrimo, orfandade, vivendo em favelas, mocambos, palhoças, palafitas, construções em encostas, sem falar na falta de saneamento básico, pois as manilhas de esgoto são desconhecidas do eleitor, ficam no subsolo, nunca à vista.

Durante a atual gripe sazonal, os agravos psicológicos sobre as crianças e adolescentes são pouco mencionados, muito embora a repercussão sobre eles das adversidades durante suas fases de crescimento seja a que deixa maiores feridas e marcas psicossomáticas. Por outro lado, um acompanhamento maternal é fundamental para o desenvolvimento saudável do futuro adulto.

Crianças com prováveis problemas de saúde mental apresentam mais do que o dobro de probabilidade de viver em famílias que estavam ficando para trás com suas contas, aluguel, desempregadas, em comparação com aquelas cujas famílias conseguiam pagar suas contas.

Durante a pandemia as famílias não têm o suficiente para comer ou dependem cada vez mais dos bancos de alimentos, em comparação com o antes da pandemia. As escolas fecharam, destacando o efeito desigual do bloqueio na aprendizagem, não falando na falta de “internet”, quanto mais para aquelas que nem têm comida nas suas casas. O que sei como antigo pediatra é que crianças com pais ou familiares em sofrimento psíquico tornam-se mais propensas a ter problemas de saúde mental, além de sofrimentos físicos e imunológicos. Os pesquisadores acadêmicos preveem que os efeitos cumulativos da não intervenção resultarão no aumento das desigualdades na saúde e na educação, nas gerações seguintes, porém poucos apresentam soluções.

Uma enorme quantidade de trabalho e envolvimento com crianças e jovens faz-se necessária e não somente sob o aspecto socioeconômico. Há um imperativo moral para maximizar o potencial de atendimento à saúde e ao bem-estar da próxima geração.

Para terminar gostaria de dizer: o sorriso de uma criança sempre me dá esperança de que tenhamos um mundo melhor no futuro. Muito embora eu saiba ser esperança um alimento da nossa alma, ao qual sempre se mistura o veneno do temor, do medo e das incertezas deste mundo pós-pandemia. E os que nos tentam impor o terror ainda têm a descaramento de denominar o futuro de Novo Normal. Seja lá o que isso queira dizer.

(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES) e da Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

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