segunda-feira, 11 de agosto de 2014

CÁLICE, USO CONTÍNUO

João Brainer Clares de Andrade

Nossa república se inunda de contradições: os militantes de antes se renderam ao mandar fazer silêncio. Dão banquetes e patrocinam ditaduras que repetem, em igual ou pior feito, tudo o que lutaram contra. À imprensa, restam agora as tentativas de minar o bom exercício e a fala livre. Os ditadores das redondezas não escondem a simpatia por nosso solo, enquanto nosso prestígio internacional é comparado ao vexaminoso papel no superestimado futebol.
O Tribunal Regional Eleitoral não foge à regra da Presidência e seu partido: baixou liminar que coíbe a livre expressão de médicos brasileiros contra os disparates públicos, sob forma de camisetas ou adesivos. Não há campanha a favor de qualquer que seja o candidato: há uma forma autêntica de se expressar o descontentamento não propriamente pelo que houve contra a categoria, mas sim pelo desserviço à saúde pública brasileira.

Menos da metade das UPAs prometidas foram construídas, as unidades básicas continuam sucateadas sem medicamentos elementares, os hospitais filantrópicos que respondem por boa parte do atendimento gratuito fecham suas portas por uma tabela defasada há mais de 10 anos. Ficaram ociosos quase R$ 20 bilhões ao SUS no último ano. Os hospitais superlotados patrocinam mortes gratuitas e, principalmente, a vinda de médicos de baixa qualificação ludibria a população de que tudo anda bem. De nada adianta haver o médico, seja ele nato ou importado, se o sistema não funciona. No entanto, nessa república que flerta com ditaduras e a cada dia se assume mais como tal, denunciar não surte efeito: blindam-se, fecham os olhos, tapam os ouvidos...
Se não me permitem mais expressar meu descontentamento com a saúde com roupas ou adesivos, não há problema. Não toleram que alertemos a população contra a ingerência que instalam e que querem perpetuar, mas toleram a campanha a favor feita por quase 13 mil funcionários da ditadura cubana que têm em seus carimbos o principal mote da campanha presidencial: “Programa Mais Médicos para o Brasil”. Há, pois, quase 13 mil cabos eleitorais a trabalho daqueles que não aceitam campanha contra.

No entanto, ainda me restam olhos, ouvidos e mãos para sentir a realidade de quem depende dos serviços gratuitos de saúde. Sou eu quem está na linha de frente, essa que mais parece fronte de uma batalha sangrenta, cuja militância veda seus próprios ouvidos, lacra seus olhos. Não querem ver, não querem ouvir... Mas se esquecem de que me resta a boca. E essa eles não vão conseguir calar.
Médico residente de Neurologia – Hospital Geral de Fortaleza
Fonte: Publicado In: O Povo, Opinião, de 30/7/2014.

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