quinta-feira, 2 de novembro de 2017

HOJE EU, AMANHÃ TU!

Por Pe. Eugenio Pacelli (*)

A negação da morte sempre cobra um preço o encolhimento da nossa vida interior, a atrofia dos sonhos

Quando chega o Dia de Finados, lembro-me do que está escrito na porta do cemitério da cidade onde nasci: “Hodie mihi cras tibi” ou seja, “Hoje eu, amanhã tu!” Quando criança nunca me preocupei com tal afirmação. Afinal, crianças não pensam em morte.
Parece assustador, nestes tempos em que vivemos a “ditadura da felicidade”, parece não haver mais espaço para a emergência de temas profundos como sofrimento e morte. Há um dado que nos afeta em tempos pós-modernos: a incapacidade cultural de abordar limites, perdas, fracassos, mortes. Vivemos a cultura na qual a dor e a morte foram expulsas da experiência humana. É algo feio, de mau gosto, algo a ser eliminado da vida cotidiana. Na “sociedade do espetáculo” tudo é feito para escondê-la e incitar-nos a não pensar nela. Ela não foi apenas camuflada. Ela foi privatizada, dobrando-se às leis da economia de mercado. A negação da morte sempre cobra um preço o encolhimento da nossa vida interior, a atrofia dos sonhos. Encarar a morte como plenitude não só nos pacifica como torna a existência mais preciosa, vital. A celebração do Dia de Finados é uma oportunidade para fazermos uma reflexão sobre a vida. A Igreja, hoje, nos convida a entrar em comunhão com o Deus da Vida e rezar com nossos falecidos e por nós que “vivemos esta vida com sabor de eternidade”. Este dia deve alimentar em nós a sabedoria de nos fazer presentes diante da morte. Pensar a morte nos faz pensar a vida. A experiência da morte pode servir como uma experiência reveladora, um catalisador extremamente útil para grandes mudanças na vida. “A morte, menos temida, dá mais vida”.
Aprender a viver bem é aprender a morrer bem, e que, reciprocamente, aprender a morrer bem é aprender a viver bem. Quanto mais mal vivida é a vida, maior a angústia da morte; quanto mais se fracassa em viver plenamente, mais se teme a morte. Santo Agostinho escreveu que “é apenas perante a morte que o caráter de um homem nasce”. A morte é processo permanente de esvaziamento do ego para viver de maneira mais oblativa, no compromisso e na doação aos outros. Fazer memória daqueles(as) que nos precederam e considerar nossa morte como travessia para a plenitude, é confiar no mistério divino, que é maior do que o mistério da morte, e confiar na comunhão onde os laços não se perdem na noite escura da morte. “Morrer é fechar os olhos para ver melhor”, ver Deus e a plenitude da Vida que desde sempre nos preparou. A morte é o nascimento para a vida que não tem fim. No fim, o início de tudo.
(*) Padre jesuíta. Diretor do Colégio Sto. Inácio, em Fortaleza.
Fonte: O Povo, de 2/11/2017. Opinião. p.11.

Nenhum comentário:

 

Free Blog Counter
Poker Blog