A Caravana de Maria Salgado até hoje é livre, abriga quem pode pagar sua comida e quem não pode
As romarias a São Francisco que vão de Fortaleza ou de
outras paragens ao Canindé- CE acontecem neste mês de outubro. Nos anos de 1999
e 2000, palmilhei o percurso dessa romaria junto à Caravana Maria Salgado
criada por ela em 1935. Seu Edson Salgado, hoje falecido, filho de D. Maria,
era o coordenador dessa caminhada de amor, esperança e fé no Santo.
Apresentei-me a ele dizendo de antemão que não tinha uma religião definida, mas
andava, por meio de leituras, impressionada com o papel de São Francisco nas
mudanças e aprimoramentos aplicados por ele a seres humanos e à natureza, e que
aceitaria de bom grado todas as regras disciplinares da Caravana se ele me
aceitasse como peregrina.
Sua resposta foi uma pergunta: “Por que você quer peregrinar conosco?” Continuou:
“Nessa peregrinação se tem muito desconforto, bolhas pipocam nos pés, o corpo
dói, e só se precisa comer para viver um dia; caminhará com pessoas das mais
diversas índoles e classes sociais”, findou ele. Ao que respondi: “Quero me
juntar a todos nesse enlevo coletivo, que é a exaltação ao humanismo histórico
de São Francisco. Quero chegar à Basílica de São Francisco no Canindé a fim de
homenageá-lo e agradecê-lo por ter cuidado tão bem dos desvalidos e da
natureza, enquanto homem”. “São Francisco”, disse ainda
Seu Edson, “é o Santo para tudo e de todos”. Apertou
minha mão e disse mais: “Venha conosco dar
glórias ao Santo de nossa devoção”.
A Caravana de Maria Salgado até hoje é livre, abriga quem
pode pagar sua comida e quem não pode, o que possui tênis “booster” e quem só
tem um par de chinelos, os que vão pagar promessas e os que querem apenas
sentir a vida, ou conviver com as muitas diferenças humanas, por cinco dias e
cinco noites, seguindo os passos de Dona Maria e seus caravaneiros.
Donald Spoto escreveu a mais bem documentada biografia de
São Francisco no livro Francisco de Assis o santo relutante, de onde tirei o
título deste breve artigo e a vontade de dizer a muitos o quanto se ganha no
enfrentamento do desconforto e do breve e mais positivo relacionamento humano,
que é o de conviver harmoniosamente com todas as diferenças no seguir da
Caravana. A relutância de Francisco de Assis o fez ostensivamente procurar e
encontrar o caminho do humanismo, ao experimentar as dores da depressão
profunda que sofreu, mas encontrou, numa imagem de Cristo em uma igreja
abandonada, a luz que provocou nele a vontade de cuidar daquele Cristo, simbolicamente
querendo também dizer: cuidar da humanidade. E assim o fez.
(*) Médica pneumologista; coordenadora do Pulmocenter;
membro da Academia Cearense de Medicina.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 26/10/2017. Opinião. p.11.
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