quarta-feira, 20 de junho de 2018

O NÚCLEO FAMILIAR CONTINUA INSUBSTITUÍVEL (MORAL)



Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Com o advento da Internet constatou-se a recrudescência da infantilização do público. Deve haver algum motivo além dos suspeitos tradicionais: banalização da mídia, isolamento social, cultura de consumo e tantos outros argumentos tentadores à sua aclaração causal.
Em 1988, o psicanalista Jurandir Freire Costa alertava que a sociedade brasileira poderia estar chegando a um perigoso ponto de não retorno. Ela estaria incorporando quatro valores: cinismo, narcisismo, violência e delinquência. À época, seus estudos tinham como referência, entre outros, as ideias do filósofo alemão Peter Sloterdijk, cujas ideias culminariam no clássico livro “Crítica da Razão Cínica”, publicado na Alemanha em 1983 e traduzido para o português em 2012.
Nele, o autor aborda o crescimento do cinismo em escala institucional e pessoal, na atualidade. Para este autor, sob a capa das instituições e grupos, e em contrapartida com discursos de interesse público, crescem os componentes cínicos que se amparam em interesses privados. Estudioso do cinismo que se agigantava, o pensador alemão descria de efeitos positivos das potencialidades midiáticas tradicionais para a soberania popular ou a democracia.
Já o ponto de não retorno de Freire Costa atingiria diversas instituições e o comportamento individual. Segundo o psicanalista, a cultura do cinismo deriva da cultura narcísica e se não há como recorrer a regras supra individuais, historicamente estabelecidas pela negociação e pelo consenso para dirimir direitos e deveres privados, tudo passa a ser uma questão de força, de deliberação ou de decisão, em função de interesses particulares. Daí decorre o recurso sistemático à violência, à delinquência, à mentira, à escroqueria, ao banditismo ‘legalizado’ e à omissão de responsabilidade, que caracterizam a ‘Cultura cínico-narcísica’ dos dias de hoje” (Costa: 1989, p. 30-31).
Trabalhos recentes produzidos na Universidade de Stanford vêm demonstrando a importância da mídia social, através de dispositivos móveis ou fixos, e da influência do poder de propaganda das várias parafernálias eletrônicas que hoje acompanham a formação dos jovens e afetam o comportamento de pessoas de todas as idades.
Avoco a atenção do leitor para os trabalhos pioneiros do pediatra e psicanalista inglês Donald Woods Winnicot (1896-1971) afirmando que a criança aprende o mundo brincando e não distingue a realidade verdadeira da ilusória, imaginária, fantasiosa, idealizada. Ao brincar ela vai aprendendo a separar, a distinguir fatos e ideias – e cada pessoa tem um potencial inato distinto, para amadurecer e integrar-se.
Lembro ainda, de passagem, que essa tendência, apesar de ser inata, não ocorre necessariamente. Sua ocorrência dependerá de um ambiente facilitador que forneça apoio e direcionamento, assim como os de um lar, família, diálogo, carinho, aconchego. Ressalte-se ademais que a educação vai depender das necessidades de cada criança in-di-vi-du-al-men-te, já que cada pessoa responderá ao ambiente de forma própria, apresentando, a cada momento, condições, potencialidades e dificuldades diferentes para completar suas capacidades morais.
Na contemporaneidade, as informações são veiculadas, principalmente, pelo mundo virtual e absorvidas através de interpretações apressadas e superficiais. As pessoas, independentes da faixa etária, são levadas a uma dissimilação oculta da realidade, passando a viver em um mundo de ficção que as leva a uma infantilização globalizada.
Advirto: O adulto de hoje está perdendo a noção de como distinguir, por exemplo, o que é ético daquilo que fere a sociedade constituída. Boa parte do nosso aprendizado dá-se por imitação dos mais velhos. A aprendizagem começa na primeira infância e termina com a morte e repito, o núcleo familiar é insubstituível para o aprendizado e a compreensão da Moral.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Foi um dos primeiros neonatologistas brasileiros.

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