terça-feira, 16 de outubro de 2018

O PERIGO DE ENVIUVAR


Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Será que sua chance de morrer aumenta nos três primeiros meses de sua viuvez?
Dar entrevistas ou escrever para a mídia são ações muito perigosas para especialistas dos mais diversos ramos da ciência. Há certos obstáculos que dificilmente se pode evitar, sendo comum a virilização de ideias truncadas ou deturpadas. Entre tais ideias, divulga-se que os recém-viúvos morrem logo após o falecimento do cônjuge.
Penso que essa ideia tomou vulto quando uma respeitável revista publicou artigo sobre o aumento da mortalidade do cônjuge sobrevivente. Acredito que a base de tudo foi um artigo científico publicado no Jornal de Epidemiologia da América do Norte (Am. J. Epidemiol. (2012) -176(9):777-784), que sumarizo abaixo.
Após análise estatística de fichas médicas de 171.720 casais da Grã-Bretanha maiores dos 60 anos de idade, ficou constatado o aumento da mortalidade entre viúvos ou viúvas, sem qualquer relação com a situação econômica ou o estado de saúde dos viúvos.
A manchete desse artigo gritava:
FICAR VIÚVA OU VIÚVO É MUITO PERIGOSO”.
Como seria de se esperar, tal alerta produziu por várias semanas inúmeros artigos, opiniões, entrevistas, mesas redondas, painéis sobre casamento, solidão, companheirismo, saudades...
Matéria datada do ano de 2013, de autoria de J. Robin Mood et al., pesquisadores pertencentes à famosa Universidade de Harvard, expõe: “A viuvez conduz a um aumento de risco de mortalidade prematura, independente da idade ou do gênero. Tal acréscimo tem sido descrito no primeiro ano após a perda do companheiro ou companheira, sendo de 41% a estimativa de aumento na mortalidade nos primeiros seis meses”.  É o que os tais cientistas denominam de "efeito viuvez”.
Calma leitor! Caso tenha perdido, há pouco tempo, sua esposa ou seu marido, não vá se impressionar ou se alarmar. Esclareço.
A mortalidade dependerá da sua saúde antes e depois do óbito do cônjuge. Excetuando o imprevisível: um acidente, terrorismo ou quem sabe um susto, resfriado, ou uma queda, lembre-se: a pesquisa abarca apenas pessoas classificadas pela Organização Mundial da Saúde como idosos jovens (60 a 70 primaveras).
O possível aumento da mortalidade específica dos viúvos seria necessariamente pequeno, porque a mortalidade geral é baixa nos recém-viúvos saudáveis, não portadores de doença grave.
Até agora (pelo que sei, li ou pesquisei), inexiste estudo cientifico que prove ser a mortalidade logo após a viuvez acontecimento registrável e - se verdade for - explicável. Apesar do aumento da expectativa de vida no século XXI, dos avanços da Medicina e dos Cálculos Atuariais (que permitem analisar as consequências dos riscos, principalmente no tocante a seguros e fundos de pensão), um sexagenário viúvo permanece sendo um sexagenário, isto é, aquela pessoa ou coisa que completa o interregno de sessenta anos de existência ou de utilidade, segundo o Dicionário Informal da Língua Portuguesa¹
Portanto, caso você, sexagenário, perca seu cônjuge, evite acreditar em boatos e fique calmo. Se ficar pensando que vai morrer logo, isso pode até acontecer, por estresse ou acidente.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Foi um dos primeiros neonatologistas brasileiros.

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