Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
A ansiedade
causada pelo atravancamento caótico do tráfego nas grandes cidades brasileiras,
associado às péssimas condições estruturais das ruas, vias, avenidas e
educacionais dos motoristas, acrescido dos motoqueiros e agora também
ciclistas, além dos pedestres desavisados é, no mínimo, considerável.
As tragédias
provocadas por acidentes de tráfego, quando perto da gente, são mais
atemorizantes do que repetir o cansado refrão “os
feridos e mortos na denominada de Guerra do Tráfego no Brasil causam maior
número das baixas, anualmente, que todas as advindas dos combatentes
norte-americanos durante a Guerra do Vietnã”. O Vietnã é um país que se
localiza na Indochina, no extremo leste do continente asiático, longe da minha
casa e os soldados norte-americanos também são lá de longe, do Hemisfério
Norte. O Brasil fica no Hemisfério Sul...
No fim do mês
de novembro do corrente ano justo no cruzamento da Avenida Rosa e Silva com a
Rua Padre Roma (Recife), pertinho do apartamento onde moro, um carro em
disparada terminou arrastando várias pessoas de uma mesma família, incluindo
duas crianças e dois adultos, sendo que uma era a babá grávida de 3 meses. O
suspeito (escrevo assim para ser politicamente correto, apesar de o
motorista causador da tragédia ter sido preso em flagrante) era um jovem de 25
anos, estudante de engenharia e, segundo noticiam, viciado em drogas.
Alcoolizado e bombado por alguns comprimidos de Rivotril® (clonazepan),
medicamento este de tarja preta (exige receituário médico para sua venda),
indicado para o tratamento de crises epilépticas, espasmos infantis,
transtornos de ansiedade e de humor, síndromes psicóticas, síndrome das pernas
inquietas e da boca ardente e no tratamento de vertigens e distúrbios do
equilíbrio, em adultos e crianças.
Afirmam (não
tenho estatística e não sei onde encontrá-la, embora tenha procurado na
internet), que os ansiolíticos e psicotrópicos em geral apresentaram consumo
incrementado entre os políticos e grandes empresários, especialmente em
Brasília. Voltando ao ocorrido: apesar de a tragédia familiar ter
acontecido fora do eixo Rio e São Paulo, foi tamanha a crueldade que aconteceu
que foi noticiada também pelo Jornal Nacional da Globo e outros.
Como orientei
algumas teses e dissertações de mestrado, oficial ou oficiosamente de Prevenção
de Acidentes na Infância, chamar tal ocorrência de “acidente” é esquecer que o
significado do vocábulo acidente (acontecimento casual, fortuito, imprevisto)
foi, há muito tempo, descartado tecnicamente, pois compreendemos que dramas
desse tipo são causados na maioria das vezes, pelo somatório das mais diversas
causas, todas atuando concomitantemente em um dado espaço de tempo.
Não adianta usar bafômetros, pois o uso de substâncias psicotrópicas
lícitas ou ilícitas não são detectados por esse tipo de aparelho.
Conto isto por dois motivos. Primeiro: Recordo-me quando bolsista na
Inglaterra (1964/1965/1966) que, se quiséssemos dirigir automóvel
na Espanha, naquele tempo um dos países mais fazedores de vítimas do
tráfego, o meu seguro de vida inglês, me dava cobertura nesse caso, cobrava uma
taxa adicional pelos dias que eu passaria naquele país peninsular. O valor do
meu seguro sofreria um acréscimo a ser pago em banco espanhol por um dia a mais
da estada prevista. Teria no caso o segurado, eu, de fazer novo depósito
bancário ainda em território espanhol. Bom lembrar que a polícia espanhola é
severíssima quanto a infrações ocorridas e o resultado desta política de
tolerância zero fez esse país voltar a estatísticas comparáveis com as da
Alemanha e outros países de Europa.
Segundo: Como
psicoterapeuta, tenho notado a procura de motoristas com um tipo de ansiedade
relacionada ao ato de dirigir. Ansiedade ao volante.
Para concluir
este artigo vênia para filosofar* e sugerir: Não tornar permitido passar dos 40
quilômetros por hora nas regiões metropolitanas. Não vai custar nada a ninguém
e bastam umas placas e radares.
Não sei o
motivo, mas neste momento em que escrevo, lembrei-me da poetisa chilena
Gabriela Mistral (1899-1957) ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura (1945) e
de seu poema, cujo título é ‘Hoje’: “Somos
culpados de muitos erros e faltas/porém nosso pior crime/é o abandono das
crianças/negando-lhes a fonte/da vida. Muitas das coisas/ de que
necessitamos/podem esperar. A criança não pode. Agora é o momento em que seus
ossos estão se formando/seu sangue também o está/e seus sentidos/estão se
desenvolvendo/E nós não podemos responder “amanhã” / Seu nome é hoje” ... Vamos refletir
como podemos reduzir a nossa morbimortalidade causada pela imprudência no tráfego
brasileiro, melhorando os equipamentos do sistema rodoviário e – principalmente
– a perícia e o cuidado dos condutores.
Para terminar
digo: A maior ou menor duração da pena de quem dirige alcoolizado ou dopado não
devolverá a vida de ninguém. Certas coisas necessitam também de uma operação
lava-jato - e não somente dos veículos. Lembrei-me agora a causa de repetir
esta poesia: da tragédia ocorrida perto da minha casa havia crianças e uma
delas ainda não nascida... (08.12.17)
* Viver sem filosofar é o mesmo que ter os olhos fechados sem
nunca os haver tentado abrir. René Descartes
(1596-1650).
(*) Professor Titular da Pediatria
da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União
Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos
(ABRAMES). Consultante
Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).
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