quarta-feira, 5 de junho de 2019

ANSIEDADE E TRÁFEGO


Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
A ansiedade causada pelo atravancamento caótico do tráfego nas grandes cidades brasileiras, associado às péssimas condições estruturais das ruas, vias, avenidas e educacionais dos motoristas, acrescido dos motoqueiros e agora também ciclistas, além dos pedestres desavisados é, no mínimo, considerável.
As tragédias provocadas por acidentes de tráfego, quando perto da gente, são mais atemorizantes do que repetir o cansado refrão “os feridos e mortos na denominada de Guerra do Tráfego no Brasil causam maior número das baixas, anualmente, que todas as advindas dos combatentes norte-americanos durante a Guerra do Vietnã”. O Vietnã é um país que se localiza na Indochina, no extremo leste do continente asiático, longe da minha casa e os soldados norte-americanos também são lá de longe, do Hemisfério Norte. O Brasil fica no Hemisfério Sul...
No fim do mês de novembro do corrente ano justo no cruzamento da Avenida Rosa e Silva com a Rua Padre Roma (Recife), pertinho do apartamento onde moro, um carro em disparada terminou arrastando várias pessoas de uma mesma família, incluindo duas crianças e dois adultos, sendo que uma era a babá grávida de 3 meses. O suspeito (escrevo assim para ser politicamente correto, apesar de o motorista causador da tragédia ter sido preso em flagrante) era um jovem de 25 anos, estudante de engenharia e, segundo noticiam, viciado em drogas. Alcoolizado e bombado por alguns comprimidos de Rivotril® (clonazepan), medicamento este de tarja preta (exige receituário médico para sua venda), indicado para o tratamento de crises epilépticas, espasmos infantis, transtornos de ansiedade e de humor, síndromes psicóticas, síndrome das pernas inquietas e da boca ardente e no tratamento de vertigens e distúrbios do equilíbrio, em adultos e crianças.
Afirmam (não tenho estatística e não sei onde encontrá-la, embora tenha procurado na internet), que os ansiolíticos e psicotrópicos em geral apresentaram consumo incrementado entre os políticos e grandes empresários, especialmente em Brasília.  Voltando ao ocorrido: apesar de a tragédia familiar ter acontecido fora do eixo Rio e São Paulo, foi tamanha a crueldade que aconteceu que foi noticiada também pelo Jornal Nacional da Globo e outros.
Como orientei algumas teses e dissertações de mestrado, oficial ou oficiosamente de Prevenção de Acidentes na Infância, chamar tal ocorrência de “acidente” é esquecer que o significado do vocábulo acidente (acontecimento casual, fortuito, imprevisto) foi, há muito tempo, descartado tecnicamente, pois compreendemos que dramas desse tipo são causados na maioria das vezes, pelo somatório das mais diversas causas, todas atuando concomitantemente em um dado espaço de tempo.
Não adianta usar bafômetros, pois o uso de substâncias psicotrópicas lícitas ou ilícitas não são detectados por esse tipo de aparelho.
Conto isto por dois motivos. Primeiro: Recordo-me quando bolsista na Inglaterra (1964/1965/1966) que, se quiséssemos dirigir automóvel na Espanha, naquele tempo um dos países mais fazedores de vítimas do tráfego, o meu seguro de vida inglês, me dava cobertura nesse caso, cobrava uma taxa adicional pelos dias que eu passaria naquele país peninsular. O valor do meu seguro sofreria um acréscimo a ser pago em banco espanhol por um dia a mais da estada prevista. Teria no caso o segurado, eu, de fazer novo depósito bancário ainda em território espanhol. Bom lembrar que a polícia espanhola é severíssima quanto a infrações ocorridas e o resultado desta política de tolerância zero fez esse país voltar a estatísticas comparáveis com as da Alemanha e outros países de Europa.
Segundo: Como psicoterapeuta, tenho notado a procura de motoristas com um tipo de ansiedade relacionada ao ato de dirigir. Ansiedade ao volante.
Para concluir este artigo vênia para filosofar* e sugerir: Não tornar permitido passar dos 40 quilômetros por hora nas regiões metropolitanas. Não vai custar nada a ninguém e bastam umas placas e radares.
Não sei o motivo, mas neste momento em que escrevo, lembrei-me da poetisa chilena Gabriela Mistral (1899-1957) ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura (1945) e de seu poema, cujo título é ‘Hoje’: Somos culpados de muitos erros e faltas/porém nosso pior crime/é o abandono das crianças/negando-lhes a fonte/da vida. Muitas das coisas/ de que necessitamos/podem esperar. A criança não pode. Agora é o momento em que seus ossos estão se formando/seu sangue também o está/e seus sentidos/estão se desenvolvendo/E nós não podemos responder “amanhã” / Seu nome é hoje” ... Vamos refletir como podemos reduzir a nossa morbimortalidade causada pela imprudência no tráfego brasileiro, melhorando os equipamentos do sistema rodoviário e – principalmente – a perícia e o cuidado dos condutores.
Para terminar digo: A maior ou menor duração da pena de quem dirige alcoolizado ou dopado não devolverá a vida de ninguém. Certas coisas necessitam também de uma operação lava-jato - e não somente dos veículos. Lembrei-me agora a causa de repetir esta poesia: da tragédia ocorrida perto da minha casa havia crianças e uma delas ainda não nascida... (08.12.17)
* Viver sem filosofar é o mesmo que ter os olhos fechados sem nunca os haver tentado abrir. René Descartes (1596-1650).
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

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