Por Luciano Maia (*)
Voltando à minha cidade: é pequena e pobre, porém é nela que encontro os
maiores deleites da alma
Não são poucas as
vezes em que sou perguntado sobre qual a minha cidade preferida, não valendo
para essa eleição a cidade natal. Pois digo: a minha cidade natal hoje, tal
como é, não tem a minha predileção e, sim, aquela que guardo intocável, mítica,
em meu relembro de criança. Não se trata de uma projeção mental: ela, na
verdade, existe ou, pelo menos, existiu. A cidade de hoje não consegue
ultrapassar a de outrora em meu afeto. E não existe outra cidade no mundo entre
as mais importantes, mais ricas historicamente ou as mais belas, que vença o
amor que nutro pela cidade em que nasci e permanece intacta, imune aos
transtornos que atormentam a cidade-agora.
Tenho ouvido amigos fazerem desfilar, em cortejo de
preferências, cidades como Paris, geralmente a mais eleita entre todas, quando
a escolha se dá entre as mais charmosas ou mesmo as mais belas, sem falar que é
a cidade que ouviu Alfred de Musset gemer de amores, em sua paixão romântica. É
ela que possui os cafés (isso é verdade!) mais charmants que jamais conheci.
Também o Rio de Janeiro costuma aparecer nessas listas. A cidade maravilhosa
merece também a preferência de muitos. O caso do Rio é emblemático: hoje, a
cidade está imersa em caos econômico, violência, colapso da saúde e da educação
e outros males provenientes de repetidas más gestões e roubalheiras. Mesmo
assim, de sã consciência, qual o brasileiro que, podendo, não pensa em passar
alguns dias no Rio, desfrutando-lhe as praias, os passeios, botecos e museus?
Claro, existem muitas outras cidades dignas do epíteto de
prediletas. Uma que exerce em mim um fascínio singular é Santiago de
Compostela, na Galícia, coa sua chuvia pola rua, molhando as pedras seculares,
de tanta história. Lá, tento comunicar-me em sua língua e escuto palavras e
expressões que me remetem à infância jaguaribana, tais como estou canso, na
loita, entonce... e outras tantas que herdamos da formosa língua
galego-portuguesa. Mas e Lisboa? Pois é, Lisboa, a tão amada, tem uma atmosfera
nostálgica, a par de tantas modernidades. Lisboa é um fado marítimo cantado na
Alfama...
Voltando à minha cidade: é pequena e pobre, porém é nela
(na verdade, em sua lembrança) que encontro os maiores deleites da alma. É nela
que escuto os cantos dos pássaros nas manhãs de areia, regatos, luas e sóis que
nunca se apagam em meu relembro. Está nas manhãs de cataventos, boiadas de
sonho e brisas alvissareiras que não deixam nunca de soprar em minha memória.
(*) Membro da Academia Cearense de Letras
(ACL)
Fonte: Publicado In: O Povo, de 22/08/2017. Opinião. p.11.
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