quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

JECA TATU... HOJE

Por Angela Gutiérrez (*)

Não paga a pena...” Mesmo quem nunca leu Ideias de Jeca Tatu nem o artigo “Urupês”, publicado n’O Estado de São Paulo, em 1914, há de lembrar a célebre frase do personagem, criado por Monteiro Lobato como protótipo do caboclo brasileiro. Jeca Tatu ficaria famoso a partir de 1924, quando é apresentado pelo autor em folhetos do Laboratório Fontoura: o homem da roça, magro, sem ânimo, tido como preguiçoso, mas que muda sua vida ao tomar Ankilostomina, que cura o amarelão de que padece e dá-lhe cores e força para trabalhar e até derrubar onça com murro! As ilustrações e a narrativa do folheto, distribuído pelo país em 18 milhões de exemplares até 1960, imprimiram, fortemente, no imaginário brasileiro, a figura do homem do mato, ainda antes do medicamento, desanimado, a repetir seu bordão: “Não paga a pena...
A que título venho ressuscitar esse homem derrotado – “A vida que rodasse... Jeca Tatu não queria saber de nada” -,sem respeito por si mesmo e desrespeitado por todos? Os leitores e as leitoras já adivinharam. Penso no brasileiro de hoje, assistindo apaticamente a seus direitos serem desrespeitados, as instituições nacionais de poder público corromperem-se, o País desmoronar...
Se a ideia de meter às costas do Jeca a culpa por suas mazelas, é injusta e desligada da realidade, infelizmente, vejo que retorna em nosso agora, ao ser imputada ao próprio povo a culpa por sua fome, precária saúde, falta de instrução, moradia e emprego, fragilidade diante da violência – seu metafórico amarelão.
Mas, se nós, povo brasileiro, continuarmos a agir como jecas tatus desencorajados e não acharmos forças na consciência cidadã para reclamar nossos direitos e o respeito pela nação, o que nos reservará o amanhã? “Não paga a pena” lutar por nosso presente e pelo futuro de nossos filhos e netos? Ou seremos para sempre pobres coitados sem coragem para enfrentar democraticamente as injustiças que sofremos, o aviltamento das instituições públicas do país e a desvairada alienação do patrimônio e da soberania do Brasil?
(*) Escritora. Membro da Academia Cearense de Letras e do Instituto do Ceará.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 18/11/2017. Opinião. p.10.

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