Por Cabeto Rodrigues (*)
Sobre a frase enigmática de Sócrates,
à beira da morte, após a ingestão de cicuta como meio de proporcionar-lhe uma
morte digna, provavelmente dirigida a Hipócrates, pai da medicina e da arte de
entender o sofrimento humano, sabemos a necessidade de analisar e compreender o
exercício do trabalho na saúde e os paradoxos da saúde pública. Duas pesquisas
respaldam as decisões de política de saúde da Secretaria da Saúde do Ceará
(Sesa). A primeira, publicada no The New England Journal of Medicine, em 2015,
expõe a qualidade da moradia e a renda per capita média como responsável por
cerca de 80% dos indicadores de saúde pública. A segunda retrata as cinco
necessidades dos usuários em vários países do mundo: acesso ao sistema de
saúde, empatia, linguagem apropriada e compreensível, estratégia do tratamento
e não sentir abandono.
Ao assumir a
Sesa em 14 de março de 2019, o fiz com enorme expectativa de obter um alento às
aflições de nossa sociedade. Trazia comigo algumas reflexões, obtidas de um
intenso trabalho como médico e consubstanciadas por análises de leituras sobre
a arte de exercer essas ações numa sociedade cada vez mais complexa. Procuramos
obedecer a alguns preceitos: a transparência das nossas análises e decisões, a
conformidade ética e jurídica, o uso da inteligência em dados para avaliar as
propostas e a sistematização do trabalho em equipe. Tudo sem esquecer do
respeito às pessoas. Enfim, uma política pública voltada à necessidade da
população e do trabalhador da saúde.
Não foi assim
que encontramos o nosso sistema, excessivamente politizado e sem critérios
técnicos, sem análises multivariáveis na escolha dos processos. O primeiro
passo foi desconstruir verdades absolutas, há tempos incorporadas à nossa
realidade. Estabelecer um sistema voltado para os usuários, determinando critérios
por mérito, transparência, eficiência e humanização. A justificativa
embasava-se nos resultados insatisfatórios obtidos nas últimas décadas, como a
morbimortalidade do AVC, infarto e câncer, além da mortalidade
materno-infantil. Nos últimos anos, os discursos aforismáticos que a solução
está na prevenção e na atenção primária, embora verdadeiros, não foram capazes
de reduzir a dor, o sofrimento e o que mais mata nos dias atuais. Era preciso
uma abordagem rápida sobre os modelos de atendimento nos hospitais,
determinando ampliação do acesso e melhora da resolutividade.
Passamos a
monitorar diariamente indicadores como o tempo de permanência, a mortalidade, a
densidade de infecção e a taxa de ocupação. Essa medida associada à mudança de
métodos de gestão hospitalar e de rede, ainda muito frágil, propiciou a melhora
evidente de indicadores tradicionalmente problemáticos. Aos poucos consolidamos
os resultados, como a redução do tempo de permanência nas emergências e a
ampliação do número de atendimentos, que ocorreram com aumento de somente 0,69%
aos custos em relação ao ano de 2018. Ou seja, foi feito muito com pouco.
Enfim, as
mudanças estão acontecendo e devem-se à vontade da maioria do povo cearense,
que sempre fez e fará a diferença.
(*) Carlos Roberto Martins
Rodrigues Sobrinho é médico e professor de Medicina da UFC. Secretário de Saúde
do Estado do Ceará.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 24/1/2020. Opinião. p.17.
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