quarta-feira, 25 de março de 2020

"DEVEMOS UM GALO A ESCULÁPIO"


Por Cabeto Rodrigues (*)
Sobre a frase enigmática de Sócrates, à beira da morte, após a ingestão de cicuta como meio de proporcionar-lhe uma morte digna, provavelmente dirigida a Hipócrates, pai da medicina e da arte de entender o sofrimento humano, sabemos a necessidade de analisar e compreender o exercício do trabalho na saúde e os paradoxos da saúde pública. Duas pesquisas respaldam as decisões de política de saúde da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa). A primeira, publicada no The New England Journal of Medicine, em 2015, expõe a qualidade da moradia e a renda per capita média como responsável por cerca de 80% dos indicadores de saúde pública. A segunda retrata as cinco necessidades dos usuários em vários países do mundo: acesso ao sistema de saúde, empatia, linguagem apropriada e compreensível, estratégia do tratamento e não sentir abandono.
Ao assumir a Sesa em 14 de março de 2019, o fiz com enorme expectativa de obter um alento às aflições de nossa sociedade. Trazia comigo algumas reflexões, obtidas de um intenso trabalho como médico e consubstanciadas por análises de leituras sobre a arte de exercer essas ações numa sociedade cada vez mais complexa. Procuramos obedecer a alguns preceitos: a transparência das nossas análises e decisões, a conformidade ética e jurídica, o uso da inteligência em dados para avaliar as propostas e a sistematização do trabalho em equipe. Tudo sem esquecer do respeito às pessoas. Enfim, uma política pública voltada à necessidade da população e do trabalhador da saúde.
Não foi assim que encontramos o nosso sistema, excessivamente politizado e sem critérios técnicos, sem análises multivariáveis na escolha dos processos. O primeiro passo foi desconstruir verdades absolutas, há tempos incorporadas à nossa realidade. Estabelecer um sistema voltado para os usuários, determinando critérios por mérito, transparência, eficiência e humanização. A justificativa embasava-se nos resultados insatisfatórios obtidos nas últimas décadas, como a morbimortalidade do AVC, infarto e câncer, além da mortalidade materno-infantil. Nos últimos anos, os discursos aforismáticos que a solução está na prevenção e na atenção primária, embora verdadeiros, não foram capazes de reduzir a dor, o sofrimento e o que mais mata nos dias atuais. Era preciso uma abordagem rápida sobre os modelos de atendimento nos hospitais, determinando ampliação do acesso e melhora da resolutividade.
Passamos a monitorar diariamente indicadores como o tempo de permanência, a mortalidade, a densidade de infecção e a taxa de ocupação. Essa medida associada à mudança de métodos de gestão hospitalar e de rede, ainda muito frágil, propiciou a melhora evidente de indicadores tradicionalmente problemáticos. Aos poucos consolidamos os resultados, como a redução do tempo de permanência nas emergências e a ampliação do número de atendimentos, que ocorreram com aumento de somente 0,69% aos custos em relação ao ano de 2018. Ou seja, foi feito muito com pouco.
Enfim, as mudanças estão acontecendo e devem-se à vontade da maioria do povo cearense, que sempre fez e fará a diferença. 
(*) Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho é médico e professor de Medicina da UFC. Secretário de Saúde do Estado do Ceará.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 24/1/2020. Opinião. p.17.

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