Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
A pandemia do novo coronavírus está afetando as mulheres de várias
maneiras, desde preocupações com sua saúde, segurança e renda, até
responsabilidades adicionais de assistência e maior exposição à violência
doméstica. A violência doméstica, já endêmica em todos os lugares, aumenta
acentuadamente quando as pessoas são submetidas a confinamento. Com base em
estimativas acredita-se que em alguns países, como afirma a revista médica
britânica Lancet, esse tipo de violência cresce de acordo com o
número de dias de confinamento.
Outros estudos sugerem que o impacto das quarentenas pode ser tão grave
que resulte em um transtorno de estresse pós-traumático, sendo o neologismo
feminicídio o ápice da violência contra as mulheres. As mulheres são
particularmente suscetíveis à violência durante uma pandemia e entre elas a
violência aumentou mais de um terço, seguindo-se as meninas. A morte pela
pandemia não é exclusividade apenas dos idosos e dos portadores de diabetes,
cardiopatias e hipertensos.
Para não os cansar com números estatísticos, lembro ao leitor e leitora
que o plantão da Justiça do Rio de Janeiro registrou nos últimos dias um
aumento expressivo no número de assassinatos íntimos. Os casos de violência
doméstica no estado aumentaram em 50%. Conferir: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/03/24/violencia-domestica-rj-quarentena.htm?cmpid=copiaecola.
Já em agosto de 2010 numa pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo
SESC (Serviço Social do Comércio), numa amostragem de 2.365 mulheres dispersas
nas 25 unidades da federação, despontava que em cada 100 mulheres, 5 sofreram
agressões físicas. Estamos diante, majoritariamente, de feminicídios íntimos, em que o
companheiro, marido, amante, namorado é o autor.Não esquecer que o impacto
econômico da pandemia pode criar muitas situações propícias a deixar parceiros
mais violentos.
A pandemia provoca um choque profundo na sociedade e não somente para a
economia. Em certos casos, como no Brasil, o choque pode vir a ser até
político. A vida cotidiana é drasticamente alterada. E enquanto a maioria das
pessoas está engajada nas medidas de distanciamento social, as mulheres estão
sendo impactadas pelo Covid-19 de maneiras diferentes e menos visíveis. Desde
cozinhar e limpar, buscar água e lenha ou cuidar de crianças e pessoas idosas.
As mulheres realizam três vezes mais tarefas domésticas e trabalho
não-remunerado do que os homens. Cabe, no entanto, a todos os membros de cada
família compartilhar o cuidado com as crianças através de ensino à distância ou
a pessoas idosas e vulneráveis, além de cozinhar, limpar e administrar a
família.
Como a maioria das profissionais da linha de frente da saúde são mulheres
enfermeiras, seu risco de infecção é maior. Portanto, embora seja necessário
prestar atenção para garantir condições seguras para todas os cuidadores, é
necessária atenção especial às mulheres profissionais de saúde, que são 67%
deles, não apenas no acesso a equipamentos de proteção individual como
máscaras, mas também para outras necessidades, como produtos de higiene
menstrual – que podem ser fácil e inadvertidamente ignorados, dado que a
maioria das decisões são tomadas por pessoas do sexo masculino.
A violência que está emergindo agora como uma característica sombria
dessa pandemia é um desafio aos nossos valores, à nossa resiliência e à nossa
humanidade compartilhada. Devemos não apenas sobreviver ao coronavírus, mas
emergir renovados, com as mulheres como uma força ainda mais poderosa, no
centro da recuperação.
A velha história de que “em briga de marido e mulher, ninguém mete a
colher” deve ser deixada de lado. As mudanças íntimas devem ser elucidadas no
interior das mulheres. Atualmente existe um forte movimento que visa a
libertação da mulher, mas, em alguns pontos, é necessário que a mulher
reconheça esta libertação como uma mudança interna.
(*) Professor Titular da Pediatria
da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União
Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos
(ABRAMES) e da
Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford
(Grã-Bretanha).
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