Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
…A carpideira
tinha como parte do seu trabalho levar os parentes do morto a abrirem o
berreiro para realizar a catarse do luto. Sabiam como contaminar a plateia dos
parentes, dos aderentes e dos presentes no velório com uma exibição ostensiva
de pesar, que incluía gemidos altos, batidas nos peitos expostos, sujando o
corpo com poeira e de cabelos despenteados; todos os sinais de comportamento
descontrolado, o distúrbio da tristeza…
Atribui-se ao ditador
soviético Josef Stalin (1878-1953), a frase: A morte de um homem é uma tragédia,
mas a morte de 100 pessoa passa a ser uma estatística. É o que está acontecendo com a pandemia
causada pelo COVID 19, quando no velório é permitida a presença de apenas dez
pessoas, por medo da contaminação.
Em cidades do interior quando
morria alguém a notícia era anunciada pelo carro de som. Agora, quando alguma
pessoa morre nem velório – nem choro – nem vela. O coronavírus acabou com o
ritual dos enterros.
Nem o homem do caixão da
funerária tem a oportunidade de pegar o defunto e dizer: coitado, descansou.
Acabou-se o funeral, espetáculo com o qual atestamos nossos respeitos pelo
morto, sem falar no direito das carpideiras. Carpideira, para quem não sabe, é
uma profissional feminina cuja função consiste em chorar por um defunto alheio.
A profissão de carpideira
existe há mais de 2 mil anos. As carpideiras e seus choros foram citados no
idioma ugarítico, precursor do hebraico e do árabe e que serviu de base para
muitas das línguas faladas no Oriente Médio. A deferência aos mortos é tradição
em todas as culturas conhecidas e estudadas até hoje e o respeito aos mortos é
extensivo à família enlutada. Lembro: as carpideiras existem em todo o planeta.
Até os índios tem o “Quarup” onde as carpideiras dão início ao choro
ritual, que só termina com o raiar do sol.
A carpideira tinha como parte
do seu trabalho levar os parentes do morto a abrirem o berreiro para
realizar a catarse do luto. Sabiam como contaminar a plateia dos parentes, dos
aderentes e dos presentes no velório com uma exibição ostensiva de pesar, que
incluía gemidos altos, batidas nos peitos expostos, sujando o corpo com poeira
e de cabelos despenteados; todos os sinais de comportamento descontrolado, o
distúrbio da tristeza.
Agora, até as carpideiras
ficaram desempregadas por causa da quarentena deste século XXI, pois poderiam
se contaminar ou contaminar os outros pelo Coronavírus19.
Particularmente gosto muito
delas, mas as coitadinhas ficaram desempregadas. Que falta fazem!
Apelo: acabem logo com esse
isolamento para que, pelo menos no interior do Nordeste, as carpideiras voltem
a trabalhar e os atestados de óbito para enterrar um morto, seja lá de que
doença ou acidente tenha morrido, têm de mencionar o Coronavírus 19 para o
defunto ser enterrado. É bom lembrar que os enlutados vão ter de usar máscaras
e álcool em gel. Confesso, tenho saudade dos velórios sem máscaras e com as
carpideiras e seus cantos chorosos.
Por favor lembrem-se de que
as carpideiras e seus choros foram citados no idioma ugarítico, precursor do
hebraico e do árabe e que formou a base para muitas das línguas faladas no
Oriente Médio. A deferência aos mortos é tradição em todas as culturas
conhecidas e estudadas – até hoje – e o respeito aos mortos é extensivo à
família enlutada. Lembro: as carpideiras existem em todo o planeta. Até os
índios têm o “Quarup” onde as carpideiras dão início ao choro
ritual, que só termina com o raiar do sol.
Velório sem carpideira não é
velório.
(*) Professor Titular da Pediatria
da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União
Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos
(ABRAMES) e da
Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford
(Grã-Bretanha).
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