No final de março de 2020, quando já decorria mais de um mês da confirmação do primeiro caso de Covid-19 em solo brasileiro e 15 dias do caso-índice cearense, chamava a atenção a pouca disponibilidade de testes diagnósticos para se fazer frente à pandemia que tomava fôlego no País, disseminando-se, com distintas velocidades, por todas as nossas unidades federativas.
O então Sr. Ministro da Saúde, o Dr. Luiz Henrique Mandetta,
em suas quase diárias coletivas de imprensa, apresentava a marcha da Covid-19,
anunciando os casos confirmados e as mortes ocorridas, e comunicava os esforços
públicos para conduzir ao rotulado achatamento da curva epidêmica, ao tempo em
que se disporia de meios que pudessem amenizar a pletora de atendimentos
provocados pelo novo coronavírus, evitando um possível colapso da rede de
saúde.
Dentre as preocupações do citado gestor máximo da saúde
brasileira, ao lado do provimento de leitos hospitalares, especialmente os de
Unidade de Terapia Intensiva, e da aquisição de respiradores em larga escala,
constou a busca de testes diagnósticos da Covid-19. No tocante a esse último
aspecto, o Sr. Ministro da Saúde ressaltava os esforços dos grandes
laboratórios e centros de pesquisa públicos, como a Fiocruz, o Instituto
Butantã, universidades etc., para comporem o pool de instituições que
executariam tais exames, assim como as doações monetárias de empresas estatais
e conglomerados econômicos para custearem esses exames em favor do Sistema
Único de Saúde (SUS).
Em abril último, no Ceará, praticamente somente Fortaleza
contava com meios diagnósticos laboratoriais para a Covid-19, com a produção
concentrada no Laboratório Central de Saúde Pública da Secretaria de Saúde do Estado,
subsidiariamente complementada por alguns laboratórios que possuíam uns lotes
de kits de testagem. Nesse período, conseguir fazer o teste na rede pública
parecia ser contemplado com um “prêmio”, mesmo que fosse à custa de muito
padecimento associado à sintomatologia da pandemia ou por razões de exposição ocupacional,
notadamente daqueles profissionais que estavam na linha de frente dos cuidados
a pacientes acometidos da doença ou com suspeição de acometimento. Não menor
era a dificuldade de se obter o exame na órbita privada pelo alto preço pago
pelo serviço e pela demora no agendamento da data da coleta. Em ambas as esferas,
em comum, estava a longa espera para a recepção do resultado diagnóstico, algo
como quinze dias de aflição e de expectativas.
Na capital cearense, nos meses seguintes, essa situação de
estrangulamento foi descomprimida com a inauguração de um amplo laboratório de
virologia da unidade da Fiocruz do Ceará, dotada de elevada capacidade de
testagem para Covid-19, o que permitiria efetuar exames em massa, e a chegada
de novos ofertantes do serviço, com a entrada em cena de vários laboratórios
clínicos e dos testes rápidos nas principais redes de farmácias aqui
instaladas, conferindo maior capilaridade nos procedimentos de coleta.
Segundo levantamento feito em 13 estabelecimentos
pesquisados pelo jornal O POVO e
publicado por Irna Cavalcante em 14 de julho de 2020, para se fazer um teste
para Covid-19 na rede particular em Fortaleza era preciso desembolsar entre R$
120 e R$ 460, na dependência do local e da metodologia utilizada para se fazer
o exame.
Havia, de conformidade com o jornal, também grandes
variações dentro de uma mesma categoria, porquanto se mostrou, por exemplo,
que, dentre os testes rápidos, a
diferença de preços poderia chegar a 141,6%. Esse tipo de exame, mais
rápido e menos complexo, feito a partir de uma gota de sangue, podia ser encontrado
tanto em laboratórios, variando de R$ 280 a R$ 290, e em farmácias ou no
próprio Serviço Social da Indústria (Sesi), com preços que variavam de R$ 120 a
R$ 140.
Os testes do tipo sorológico,
coletados por amostra de sangue, para
identificar se a pessoa já teve contato ou não com a doença a partir da
contagem quantitativa e qualitativa dos anticorpos, requerem estrutura
laboratorial. Dentre os testes sorológicos, a maior variação de preços foi identificada nos exames executados via
metodologia por quimioluminescência, da ordem de 62,5%, com valores entre R$ 240 e R$ 390. Já os sorológicos
pela metodologia Elisa custavam entre R$ 290 e R$ 400, uma diferença de 37,9%.
De acordo com essa aludida matéria do jornal O POVO, os do tipo PCR, exemplificado
pelo RT-PCR (do inglês: Reverse-Transcriptase
Polymerase Chain Reaction) considerado o 'padrão ouro' e que identifica se o vírus está presente no
organismo naquele momento, custavam em Fortaleza entre R$ 310 e R$ 460,
variação de 48,3%, sendo que o mais caro se explicava pela comodidade da coleta
ser realizada pelo laboratório no domicílio do interessado.
A variabilidade dos preços descarta que se estivesse
ocorrendo cartelização dos preços para cima, em função da pouca oferta. Diversos
fatores explicam a variação de preços dentro de uma mesma categoria. Desde a
qualidade do exame oferecido, medida por suas propriedades diagnósticas (sensibilidade,
especificidade, acurácia e valores preditivos), o fornecedor escolhido, a
estrutura do estabelecimento, passando também pelo poder de negociação do
laboratório ao efetuar suas compras. Assim é que laboratórios menores têm maior dificuldade de oferecer um preço mais
competitivo no mercado. Comodidades oferecidas aos clientes, como coleta
em domicílio ou drive-thru, também adicionam valores ao preço final do
produto.
Os testes rápidos são mais baratos porque sua forma de
produção e de análise dependem menos da intervenção humana. Neles se trabalha com kits pré-prontos, que
dão uma resposta mais rápida, mas com menor precisão. Como são produzidos em
grande escala, há uma redução do preço ao consumidor.
No caso das farmácias comerciais e do Sesi, ainda que por se
tratar de compras nacionais, ou seja, em maior quantidade, por conta da
capilaridade do setor, há uma facilidade maior de negociação com os
fornecedores deste tipo de produto, comportando lembrar que o tipo de kit adquirido também influencia na
conta.
Segundo a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e
Drogarias (Abrafarma), os estabelecimentos farmacêuticos estão ao alcance de
milhões de brasileiros e, nesse período de pandemia, eles detêm “um papel
fundamental de esclarecer dúvidas, orientar a população e auxiliar na detecção
da doença, contribuindo para desafogar o sistema de saúde. Os exames são feitos
por farmacêuticos capacitados e os resultados são gerados por meio de laudos
laboratoriais.”.
Dados da Abrafarma apontavam que este tem sido um mercado
promissor para o setor. Em dois meses, tinham sido aplicados pelas farmácias quase 200 mil testes rápidos no
Brasil. A quantidade de procedimentos realizados no período de 29 de junho e 5
de julho de 2020, de cerca de 52 mil, era 36% superior à da semana anterior e
82% em relação à semana retrasada.
Nos idos de julho, em números absolutos, o Ceará era o quinto estado que mais realizava testes em farmácia
comerciais. Em setembro passado, os testes rápidos estavam disponíveis
em 1.848 farmácias localizadas em todos os estados, sendo 67 no Ceará, onde
foram feitos, de maio até o fim de agosto, 22.094 exames.
Até o momento, as grandes redes do varejo farmacêutico
nacional já realizaram mais de 700 mil testes rápidos para detecção do novo
coronavírus. A previsão é superar a marca de um milhão até o fim do ano em
curso.
Agora, outubro de 2020, passados seis meses de tempos marcados
por óbices que travavam a fácil realização de testes para o novo coronavírus, a
situação presente melhorou bastante, ainda que não seja a ideal, de modo que a
disponibilidade e o acesso a tais exames não mais configuram problema de monta,
tanto no setor público como no privado. De fato, em Fortaleza, pode se dizer
que que há vários locais de coleta de amostras disponíveis na rede pública de
saúde, incluindo praças de grande circulação de pessoas, e o agendamento em
laboratórios clínicos particulares e farmácias comerciais resulta mais da
necessidade de otimização e de manutenção do distanciamento entre cidadãos do
que de uma lista de espera por exames.
Diga-se, de passagem, que a Agência Nacional de Saúde (ANS) determinou
a obrigatoriedade dos prestadores de serviços integrantes da Saúde Suplementar assumirem
o ônus da testagem para Covid-19 aos seus usuários, independente dos planos de
saúde conterem cláusulas de não cobertura desse procedimento. Tal medida da ANS
ampliou as opções de obtenção dos exames e gerou também um certo alívio aos
usuários do SUS, indiretamente beneficiados pelo escoamento de parte da demanda
para outra raia.
Por oportuno, convém ponderar que os valores em pecúnia atrelados
à feitura dos testes laboratoriais para o diagnóstico da Covid-19 estão
distantes da realidade financeira da maior parte da população brasileira. O
valor mais barato de um exame do tipo PCR, por exemplo, é pouco mais da metade
do valor do auxílio emergencial de R$ 600 oferecido, mensalmente, pelo governo federal
nos primeiros meses da pandemia.
Embora hoje muitos testes já sejam produzidos no Brasil, boa parcela dos seus insumos é importada, o
que torna a operação mais cara. Mas a tendência é que, consoante as
tecnologias forem avançando e mais empresas produzindo, os preços também se
tornem mais acessíveis.
Espera-se que essa benesse não chegue depois da pandemia se
dissipar do nosso Brasil.
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Médico-sanitarista e economista da Saúde
Das Academias Cearenses de Medicina e de Saúde Pública
*Publicado In: Jornal
do médico digital, 1(6): 94-98, outubro de 2020. (Revista Médica Independente
do Ceará).
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