quarta-feira, 21 de outubro de 2020

COVID-19 CONTAGIA, SUICÍDIO TAMBÉM

Por Márcia Alcântara Holanda (*)

O suicídio de Manu, no final da quarentena instituída no Brasil, para controle do contágio maciço entre pessoas pelo Sars-CoV-2, abalou profundamente sua amiga Rita. Nomes fictícios para histórias reais, mais próximas do que imaginamos. Ela entrou num estado de luto torpe, pela desoladora perda daquele ente muito querido. Manu não deixara carta, havia se queixado de estar vivendo imensa tristeza, solidão, e de ser "um velho que só servia para pegar doença". Pois não é que, alguns dias depois, Rita zapeou para mim algo muito preocupante. Falou: "Não sei o que faça da vida, Manu estava certo: não dá para aguentar essa tristeza, o medo e a solidão. Penso que é melhor mesmo sair do mundo."

Os idosos na quarentena sentiram-se velhos e alguns se tornaram solitários e invisíveis. Às vezes, quase parando de funcionar, por causa de sua maior vulnerabilidade, do que a dos demais seres. Lembrei-me, de novo, dos ensinamentos de Andrew Solomon, em Um crime da solidão, que diz que o suicídio é contagiante. Citou um estudo do CDC (Control Disease Center), dizendo que no mês seguinte ao suicídio do ator Robin William, a taxa de mortes por essa causa nos Estados Unidos subira 10%, numa clara relação entre o exemplo de Robin e a atitude de copiá-lo por muitos que, provavelmente, já haviam idealizado suicidar-se.

Rita contagiou-se com o suicídio de Manu. Era o contágio de momento, em que o desejo de morte se apresenta por causas externas, resolvíveis, como o luto, por exemplo. Seria então preciso ajudá-la para preveni-la de um desenlace pior, cuidando de: acreditar nela, escutá-la com atenção, afastá-la de possíveis situações sedutoras da morte, acolhê-la sem restrições, dissuadi-la de culpa e oferecer-lhe acesso à terapia apropriada. A cartilha da Fiocruz com o tema Suicídio na pandemia da Covid-19, de 26/05/2020, oferece esses caminhos para evitar o contágio por suicídios.

Foi pela fala que Rita abriu então sua alma e disse muito sobre sua bela e intensa relação com Manu. Relatou muitos fatos sobre tal, chorou e se riu deles, liberou as emoções, sentiu a vida e amenizou o luto. Resolveu então, depois de alguns dias de terapia da palavra, retornar aos encontros virtuais com seus grupos de WhatsApp, que havia interrompido, e a vida continuou diferente, mas livre do contágio pelo suicídio. 

(*) Médica pneumologista; coordenadora do Pulmocenter; membro da Academia Cearense de Medicina.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 23/9/2020. Opinião. p.21.

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