Por João Saraiva
(*)
De Roma voltou a subir a fumaça branca.
Mas, dessa vez, soprou com vento americano e raízes latino-americanas. Robert
Francis Prevost, nascido em Chicago há 69 anos, foi eleito o 267º sucessor de
Pedro. Religioso agostiniano, missionário no Peru por longos anos, ele não
chega a Roma por estratégia, mas por estrada. Ao escolher se chamar Leão XIV,
sinaliza que sabe o peso — e a direção — de um nome.
Evocar Leão XIII é mais que uma
reverência ao passado. É quase uma convocação. Em 1891, com a encíclica Rerum
Novarum, aquele papa colocou a Igreja onde poucos esperavam vê-la: nas
fábricas, nos campos, entre os operários. Não para pregar, mas para ouvir. Para
lutar. Fé que não se compromete vira ornamento. Leão XIV, ao que tudo indica,
também enxerga isso. O mundo grita. Fome, desigualdade, migração forçada,
colapso ambiental. E um vazio — frio, discreto — que cresce dentro das pessoas,
mesmo diante de altares dourados.
Mas Prevost não é um teólogo de
gabinete. Ele aprendeu o Evangelho com o povo andino, nas missas celebradas em
quechua, nos pequenos vilarejos onde a fé se faz com gestos e panelas no fogo.
Foi bispo em Chiclayo. Conhecia os nomes das crianças, a história das famílias.
Acolheu dores, viu milagres simples. Ali, percebeu que o altar não está
distante do chão. E que o sagrado mora onde há partilha — e onde o silêncio
também vira oração.
Agostiniano, carrega a herança daquele
que disse: "nosso coração está inquieto enquanto não repousa em
Deus". Mas talvez saiba, como Agostinho, que esse repouso não é fuga.
É encontro. Um mergulho nas feridas abertas da história. Espera-se dele menos
controle, mais compaixão. Que seja pastor antes de professor. Irmão, antes de
líder. Que se curve, e não se eleve.
Francisco abriu janelas. Leão XIV
encontra a porta escancarada. Que não a feche. Que caminhe com os que andam,
tropeçando se for preciso. Que não tema o pó, nem a dúvida. O mundo está
exausto de discursos. Mas talvez ainda haja espaço — e esperança — para um Papa
que lave os pés da história, e não tenha medo de se ajoelhar diante dela.
(*) Teólogo, professor de Filosofia e
Sociologia.
Fonte: O Povo, de 10/05/2025.
Opinião. p.18.
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