Por Izabel Gurgel (*)
Das coisas bonitas que li em 2025,
transcrevo uma fala do professor Neudson Braga, arquiteto e urbanista. Uma fala
no contexto do "raro momento em que o arquiteto é projetista e cliente ao
mesmo tempo", como escreve Cristiane Alves, ex-aluna e autora de
"Neudson Braga e o modernismo arquitetônico em Fortaleza", publicado
em 2019.
Ler é escutar. A bem-dizer, escuto Neudson
sobre a construção, na Fortaleza de 1970, da casa que desenhou para morar com a
família: "Minha casa foi um desafio maior para mim, pois eu queria criar
possibilidades de fazer uma construção artesanal com qualidade, valorizando
inclusive aquilo que é próprio da obra. Eu procurei usar um material só, uma
madeira só, um tijolo só. Os meus mestres levaram as oficinas para a obra. Eles
tinham muito orgulho do que estavam fazendo. Aquilo para eles era uma obra-prima!
(...) O mestre das pedras recortava cada peça com tanto cuidado, como se fossem
esculturas. Era um primor! Todo mundo fazia aquilo como se fosse a primeira
vez, com muita paixão e dedicação".
Ele é o autor, dentre tantos outros
projetos, do BEC dos Peixinhos, de 1968, inaugurado em 1973. A nomeação diz
sobre como incorporamos à nossa experiência de Cidade a sede do banco cuja
construção foi um alívio para a calçada. Bem-bom para o vento. A oxigenação de
uma esquina da Barão do Rio Branco, no Centro, a nos dar chão e gosto de olhar
para o céu, que alguém já disse estar dentre as melhores coisas de Fortaleza.
Vontade de beleza.
Crianças de mais de uma geração ensinaram a
pais e tias, a quem quer que nos levasse pela mão, a brincar de parar o tempo e
fruir da graça de prestar atenção, no caminho, ao caminho. Olhar o chão,
mundos, ganhar o mundo. Cada peixe, os peixes, as águas, espelho d'água, o nome
tão bonito quanto contínuo o movimento, uma superfície respiradora, feito você
e eu. A cidade virava um quintal, parque, rio, lagoa, mar à nossa medida,
espelhando nossos olhos argutos e arregalados, nossas bocas abertas e a abundância
de céu sobre nossas cabeças. O que o senhor faz, Seu Neudson? Desenho
aliviadores, amplifico vazios, dou corda à imaginação, conspiro por espaços
lembradores do que somos. Criaturas que sentem muito.
Joia do Ceará, Neudson Braga vai fazer 90
anos dia 5 de junho. Tem um presente público em pauta. Uma instrução de
tombamento da casa-sede da Fundação Waldemar Alcântara, em Fortaleza, foi
entregue à Secretaria da Cultura do Estado. Você já ouviu Neudson dizer,
amparado no humor, que talvez seja 'o arquiteto vivo mais demolido do mundo?'.
Se eu soubesse desenhar, faria um livro
como aqueles que Neudson fez para si na infância. E daria, para o menino
construtor dos próprios brinquedos, uma amostra portátil do efeito do canteiro
de alegriazinhas que ele plantou no lugar mais importante de uma cidade, que é
a rua, a calçada, como nos lembra Leminski. Faria o livro com cuidado de
primeira vez.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 30/03/25. Vida & Arte, p.2.
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