Por Samuel
Carvalheira de Maupeou (*)
Ainda sob o impacto da morte recente do
Papa Francisco, fica a reflexão sobre sua passagem não tão longa como pontífice
e os horizontes que se desenham para a Igreja Católica. Um ponto que chamou a
atenção foi a ênfase que promoveu na desinstitucionalização, descamando ritos
seculares e priorizando posicionamentos de teor mais humanitário e até certo
ponto engajado, sem, no entanto, contestar dogmas mais inegociáveis e
intangíveis da doutrina cristã.
Pregou uma Igreja itinerante e
fronteiriça, globalmente conectada e responsiva, fora do claustro. Uma
instituição, portanto, permanentemente em crise, porque justamente não é única,
mas plural e multifacetada, equilibrando-se ou esguiando-se entre uma inserção
por vezes tímida na sociedade e um zelo permanente pelos seus preceitos
curiais.
Uma Igreja ainda intramuros, com
ligeiros ensaios em frestas abertas para o lado de fora. Francisco foi uma
delas, com alguns discursos e posicionamentos enfáticos, destoantes e
dissonantes, mas ainda alicerçado numa instituição masculina, branca e doutrinária.
Esta mesma onde não se faz presente, a não ser em traços tênues, a ruptura e a
desritualização, mas o rigor e o cerimonial.
A Igreja dos pobres e marginalizados não
é a sua tônica e está muito mais nas suas franjas e em grupos minoritários do
que no seu interior. Sendo assim, volto à pergunta: um Papa que se retira ou
uma Igreja em saída? Só o tempo dirá... Apostaria que o Papa se retirou... O
peso da tradição prevalecerá e manterá pequenas portinholas de descompressão e
contestação, nada que faça frente à moderação e ao comedimento.
A permanência e a prudência como
palavras mestras e norteadoras de sentidos e de práticas! Introspecção e
endogenia, com aberturas calculadas e de certo modo vigiadas! As estruturas se
moldam e se adaptam, numa oscilação temerosa, desconfiada e sem grandes abalos
sísmicos, sem grandes reestruturações. Uma espécie de Revolução Francesa que
plana tão alto que não abala a superfície terrena, um plano de fundo que não
destoa e não compete com o eixo central.
O Papa saiu, mas a instituição
permanece, porque ela traduz a segurança e a estabilidade, celebrando até a
ousadia, mas santificando mesmo apenas os fiéis cumpridores do seu dever e do
que lhes cabe.
(*) Professor da Universidade Estadual do Ceará e
membro do Laboratório de História das Religiões da Uece.
Fonte: O Povo, de 3/05/2025.
Opinião. p.19.
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