terça-feira, 22 de dezembro de 2015

SAÚDE NO LIMITE


João Brainer Clares de Andrade (*)

"Estamos no maior hospital estadual do Ceará, que definha pela inércia administrativa do Governo Estadual"
“Passamos do limite!” - disse o irmão da paciente de 45 anos, vindo de diversos locais pedindo ajuda. O irmão exclamava que ‘ninguém’ havia verificado a pressão dela por horas, que ‘ninguém’ havia ‘conseguido’ uma maca para ela, exausto e confuso com o adoecimento da irmã. Terminando minhas 36 horas seguidas no mesmo hospital, não consegui esconder minha revolta, e disse:
 “Isso! Passamos! Estamos no maior hospital público estadual do Ceará, que, no entanto, definha pela inércia administrativa do Governo Estadual. Seja ou não por falta de repasses do Governo Federal, não houve priorização do custeio da saúde. Pessoas morrem aos montes todos os dias, porque falta tudo! Até os profissionais estão escassos: técnicos de enfermagem estão há meses sem receber salário; muitos faltam porque não conseguem pagar sequer o transporte. Dezenas de cirurgias são desmarcadas todas as semanas porque faltam itens como fios cirúrgicos! Cirurgiões estão comprando do próprio bolso esses fios para não permitir que pacientes passem ainda mais tempo nos corredores. Eu mesmo, inclusive, já comprei remédios e luvas. Sim, já precisei comprar caixa de luva por R$ 22 porque essa faltava no maior hospital público do Ceará! Certa noite, foram 13 óbitos somente aqui nesta emergência. Boa parte, talvez quase todos, em condições potencialmente reversíveis, se não fossem a falta de antibióticos, leitos de UTI, cateteres de hemodiálise etc. Sim, um material de pouco menos de R$ 70 poderia ter salvado a vida de vários pacientes. Veja a que limite chegamos! Veja o quanto vale uma vida para o governador do estado do Ceará!” – exclamei quase a um único fôlego.
Visivelmente emocionado e cansado por brigar contra um inimigo que prefere culpar servidores a reconhecer que não prioriza a saúde, continuei:
 “Estamos vivendo o pior dos tempos! No mesmo momento que profissionais se mantêm aqui, sob baixos e atrasados salários, por acreditarem que ainda podem fazer diferença na vida das pessoas, também entramos em estafa. Já nos resta pouca força! Não aguentamos mais ver gente morrendo! Não aguento mais preencher declaração de óbito de pacientes, cujas famílias são enganadas com os discursos do governador ou notas da secretaria de saúde de que nada está faltando, de que todas as medidas estão sendo tomadas. Mentira.”
Por fim, com a voz já trêmula, disse:
“O senhor tem razão: a saúde do Ceará chegou ao seu pior limite!”
(*) Médico. Residente de Neurologia do HGF.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 15/12/2015. Opinião. p.11.

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