João Brainer Clares
de Andrade (*)
"Estamos no maior hospital estadual do Ceará,
que definha pela inércia administrativa do Governo Estadual"
“Passamos do
limite!” - disse o irmão da paciente de 45 anos, vindo de diversos locais
pedindo ajuda. O irmão exclamava que ‘ninguém’ havia verificado a pressão dela
por horas, que ‘ninguém’ havia ‘conseguido’ uma maca para ela, exausto e
confuso com o adoecimento da irmã. Terminando minhas 36 horas seguidas no mesmo
hospital, não consegui esconder minha revolta, e disse:
“Isso! Passamos! Estamos no maior hospital
público estadual do Ceará, que, no entanto, definha pela inércia administrativa
do Governo Estadual. Seja ou não por falta de repasses do Governo Federal, não
houve priorização do custeio da saúde. Pessoas morrem aos montes todos os dias,
porque falta tudo! Até os profissionais estão escassos: técnicos de enfermagem
estão há meses sem receber salário; muitos faltam porque não conseguem pagar
sequer o transporte. Dezenas de cirurgias são desmarcadas todas as semanas
porque faltam itens como fios cirúrgicos! Cirurgiões estão comprando do próprio
bolso esses fios para não permitir que pacientes passem ainda mais tempo nos
corredores. Eu mesmo, inclusive, já comprei remédios e luvas. Sim, já precisei
comprar caixa de luva por R$ 22 porque essa faltava no maior hospital público
do Ceará! Certa noite, foram 13 óbitos somente aqui nesta emergência. Boa
parte, talvez quase todos, em condições potencialmente reversíveis, se não
fossem a falta de antibióticos, leitos de UTI, cateteres de hemodiálise etc.
Sim, um material de pouco menos de R$ 70 poderia ter salvado a vida de vários
pacientes. Veja a que limite chegamos! Veja o quanto vale uma vida para o
governador do estado do Ceará!” – exclamei quase a um único fôlego.
Visivelmente
emocionado e cansado por brigar contra um inimigo que prefere culpar servidores
a reconhecer que não prioriza a saúde, continuei:
“Estamos vivendo o pior dos tempos! No mesmo
momento que profissionais se mantêm aqui, sob baixos e atrasados salários, por
acreditarem que ainda podem fazer diferença na vida das pessoas, também
entramos em estafa. Já nos resta pouca força! Não aguentamos mais ver gente
morrendo! Não aguento mais preencher declaração de óbito de pacientes, cujas
famílias são enganadas com os discursos do governador ou notas da secretaria de
saúde de que nada está faltando, de que todas as medidas estão sendo tomadas.
Mentira.”
Por fim, com a voz
já trêmula, disse:
“O senhor tem
razão: a saúde do Ceará chegou ao seu pior limite!”
(*) Médico. Residente
de Neurologia do HGF.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 15/12/2015.
Opinião. p.11.
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