sexta-feira, 1 de novembro de 2024

CAMINHOS DO CEARÁ: Dona Josa, o junco e a juta

Por Izabel Gurgel (*)

"O junco é um capim criado dentro d´água." Dona Josa, 66 anos, colhe o junco na lagoa de Alcaçuz, em Pirangi do Norte. É um dia de trabalho, com a ajuda de um dos quatro filhos, Josenildo, o Jó. Apoiam-se em câmara de ar de pneu. "Não tomo pé", diz sobre não tocar o solo da lagoa.

Seco ao sol, um dos usos do junco é na feitura de suadouro, anteparo sobre o dorso do cavalo a ser cavalgado. Usa-se também para fazer colchão de cama. Dona Josa usa o junco para bordar (n)a juta. Para manter a longa fibra maleável, seca o junco à sombra durante uma semana.

Para bordar, estende o tecido de juta no tear, como chama a armação de madeira, uma espécie de 'mesa vazada', só o esqueletinho dela: quatro pernas, quatro ligações horizontais entre elas, sem o tampo.

No tear, a juta é esticada de modo similar ao das amarrações para a feitura do bordado rendado ou da renda bordada de nome labirinto. Dona Josa e as sete pessoas que trabalham com ela, cada qual em sua casa, usam agulha de palombar, uma agulha náutica de metal.

O tear tem a função do chamado bastidor para bordar, que a maioria de nós conhece no formato redondo. Ela tem vários teares de madeira em casa, com medidas diferentes. Facilita o trabalho. Senta-se para bordar. E para finalizar as peças na máquina de costura.

Usa um tear metálico quando viaja a trabalho. "Todo desmontável". É o que veio com ela, da casa em Pirangi do Norte, para o espaço do Rio Grande do Norte na feira nacional de artesanato que termina hoje no Centro de Eventos do Ceará, em Fortaleza.

Maria Josinete aprendeu o ofício com o pai, Francisco Estevam do Nascimento. Dos oito filhos de Chico Vitô e Pedrosina, "seis se criaram". Rendeira de bilro, a mãe recheava a almofada com folha de cajueiro. Usava espinho de cardeiro como alfinete.

O pescador Chico Vitô fazia artesanato com cipó. Fez chegar à terra do maior cajueiro do mundo os saberes do bordar com junco. "Ele levou um curso para Pirangi." E participou como aprendiz. Faz-se também crochê com o junco.

Dona Josa traz nos olhos a variação de cor do junco depois de seco. Borda a geometria do mundo em almofadas, bolsas e carteiras, predominantes dentre as peças expostas à venda. Tem efeito de douração o desenho na juta crua ou tingida. Luz à tardinha na lagoa. A última hora da colheita.

Tudo ali tem muito tempo. Vislumbro nos tons de palha crua, nos verdes que permanecem, tingidos de claridade e sombra, de amarelos a terrosos, o diário de uma jornada, vestígios de um dia sobre a Terra, na Terra, um sopro na existência do planeta.

(*) Jornalista de O Povo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 29/09/24. Vida & Arte, p.2.

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