Por Izabel Gurgel (*)
"O junco é um capim criado dentro d´água." Dona Josa, 66
anos, colhe o junco na lagoa de Alcaçuz, em Pirangi do Norte. É um dia de
trabalho, com a ajuda de um dos quatro filhos, Josenildo, o Jó. Apoiam-se em
câmara de ar de pneu. "Não tomo pé", diz sobre não tocar o solo da
lagoa.
Seco ao sol, um dos usos do junco é na feitura de suadouro,
anteparo sobre o dorso do cavalo a ser cavalgado. Usa-se também para fazer
colchão de cama. Dona Josa usa o junco para bordar (n)a juta. Para manter a
longa fibra maleável, seca o junco à sombra durante uma semana.
Para bordar, estende o tecido de juta no tear, como chama a armação
de madeira, uma espécie de 'mesa vazada', só o esqueletinho dela: quatro
pernas, quatro ligações horizontais entre elas, sem o tampo.
No tear, a juta é esticada de modo similar ao das amarrações para a
feitura do bordado rendado ou da renda bordada de nome labirinto. Dona Josa e
as sete pessoas que trabalham com ela, cada qual em sua casa, usam agulha de
palombar, uma agulha náutica de metal.
O tear tem a função do chamado bastidor para bordar, que a maioria
de nós conhece no formato redondo. Ela tem vários teares de madeira em casa,
com medidas diferentes. Facilita o trabalho. Senta-se para bordar. E para
finalizar as peças na máquina de costura.
Usa um tear metálico quando viaja a trabalho. "Todo
desmontável". É o que veio com ela, da casa em Pirangi do Norte, para o
espaço do Rio Grande do Norte na feira nacional de artesanato que termina hoje
no Centro de Eventos do Ceará, em Fortaleza.
Maria Josinete aprendeu o ofício com o pai, Francisco Estevam do
Nascimento. Dos oito filhos de Chico Vitô e Pedrosina, "seis se
criaram". Rendeira de bilro, a mãe recheava a almofada com folha de
cajueiro. Usava espinho de cardeiro como alfinete.
O pescador Chico Vitô fazia artesanato com cipó. Fez chegar à terra
do maior cajueiro do mundo os saberes do bordar com junco. "Ele levou um
curso para Pirangi." E participou como aprendiz. Faz-se também crochê com
o junco.
Dona Josa traz nos olhos a variação de cor do junco depois de seco.
Borda a geometria do mundo em almofadas, bolsas e carteiras, predominantes
dentre as peças expostas à venda. Tem efeito de douração o desenho na juta crua
ou tingida. Luz à tardinha na lagoa. A última hora da colheita.
Tudo ali tem muito tempo. Vislumbro nos tons de palha crua, nos
verdes que permanecem, tingidos de claridade e sombra, de amarelos a terrosos,
o diário de uma jornada, vestígios de um dia sobre a Terra, na Terra, um sopro
na existência do planeta.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 29/09/24. Vida & Arte, p.2.
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