sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Crônica: “A seriedade é uma doença, e o animal mais sério é o burro” ... e outros causos

"A seriedade é uma doença, e o animal mais sério é o burro"

Não direi que o Poeta dos Cachorros tenha a catilogência de um Saramago, mas bate-lhe o centro. Se acha que frescamos, confira a lista completa dos romances que ele lançou pela Couro de Letras (entre 1968 e 2022) e me diga: esse rapaz é ou não é a reencarnação de Diógenes, o Cínico, filósofo da Grécia Antiga? Perfeita a simetria entre ambos no quesito viver bem: "Quissuco, a água que adoça a fome", "A riqueza do liso", "Tão limpo que dá nojo", "Tanto come como istrói", "Tudo certo, nada confirmado".

Quanto aos poemas, repare na 'imbiricica' de obras que lançou no mesmo lapso de tempo: "Toda criatura tem?", "Se não for eu cegue!", "Aproveite esse calor e a papeira", "Troque seu marido por um jipe azul", "Arre égua, meu bem, beísso?", "Defecar e limpar-se com canjica", "Um caso de amor com a dengue", "À frente do pessoal detrás", "Um monótico a gurgulejar", "O Boca de bode", "É, senão for", "Talvez, tal Vaz", "Uma esfinge no caminho dos pebas" e o impagável "No tempo que era doido, eu andava lá".

Os títulos estão disponíveis na casa de um dos filhos dele, acho que é o Antônio, o do meio. Muito particularmente em relação à poemêutica "No tempo que era doido eu andava lá", o dos Cachorros Poeta explica o porquê de tê-lo escrito:

- Eu tava internado como mental do juízo no Hospital Mira y Lopez nessa era...

Dedé de seu Ném explica

"Jornalista TMatos, sempre uma alegria bater um plá com vossa senhoria, desta feita para falar dalgo que você vai pensar: é potoca dele! É verdade, porém. Indo direto à arrumação, pois tenho já que ir à missa (esse padre é nojento que só!). Conheci uma norueguesa doutora em 'desenlinhar' punho de rede e mestra numa 'dibuia' de feijão. Onde? Aqui na Oiticica. Pensei que, saído da Reriutaba, não visse isso em canto nenhum mais, por hábeis sejam as mãos de nossos e nossas artesãs-sãos. Lilly Emma era a graça dela.

Lição que tirei: se Emma é o cão por dentro das moitas no punho duma rede, cá nas brenhas do sertão cearense, por que um caba nosso não faria sucesso na Noruega, pegando bacalhau de landuá? Hein? Arre ema!"

"Página de um livro bom"

Zé Jumento, assim conhecido pelo coice nos adversários em partidas de futebol quando rapazote. Zé Jumento pra lá, Zé Jumento pra cá, Zé Jumento prali, Zé Jumento pracolá... O sujeito assimilou tão fortemente em si o mamífero perissodáctilo da família Equidae que, em entrevista ao repórter Edilson Cocão acerca dos seus tempos de tertúlia, ao som de "My mistake", dos Pholhas, discorreu naturalmente:

- Pois é, querido Cocaço, essa modinha aí marcou demais a minha 'jumentude'...

Ruim é apelido!

Nairon, quando canta, é um motor de partida. Consegue o que mais ninguém alcança: entoar caricaturas de cantigas muito péssimas demais. Fora do esquadro tonal, parece solfejar na escala musical dum caçote. De tão ruim chega a ser bom. Após anos sem aceitar o defeito de nascença que trazia nas cordas vocais, resolveu brincar com a própria voz opaca (de papelão): premiar quem adivinhasse que música estava a cantar. Cantou trechinho da coisa e um concorrente...

- "Parabéns pra você"?

- Não, claro que não! Cantou mais uma coisinha e outro concorrente se atreveu:

- "Detalhes", do Roberto?

- Também não!

300 tentativas vãs e os concorrentes pedem penico. Alguém, enfim, pergunta "que diabo de cão de música mais sem pé nem cabeça é essa"? E Nairon, sinceramente...

- Eu sei lá que geringonça é essa! Que é que eu tô cantando? Me deem uma palinha!

Fonte: O POVO, de 20/09/2024. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.


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