Por Patrícia Soares de Sá Cavalcante (*)
Sentei ao piano para tocar "Eu e a
Brisa", de Jony Alf. Ao olhar minha
partitura, uma cópia da partitura de minha professora datada de 1984, observei
o recadinho de um amigo dela: "Para não se esquecer de mim". Sorri.
Sempre que ouço essa música, fico emocionada. Já me sensibilizava ao ouvir
minha irmã Paula tocá-la, numa época em que era familiarizada apenas com sua
melodia.
Hoje, além da melodia, guardo intimamente sua
letra comigo. "Ah, se a juventude que essa brisa canta... ficasse aqui
comigo mais um pouco... eu poderia esquecer a dor... de ser tão só... pra ser
um sonho..."
Comecei a cantarolar e fiquei com essa frase
na cabeça: "a dor de ser tão só..." Então, pensei no inverso, na
solidão da dor de cada um de nós.
O sofrimento é algo profundamente íntimo e
solitário. O início célebre de "Anna Kariênina", de Tolstói, diz o
seguinte: "Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é
infeliz à sua maneira". Portanto, cada um de nós sofre à sua maneira.
No último final de semana, assistindo a uma
entrevista do Chico Anysio, com meus pais, no antigo programa "Roda
Viva", fiquei surpresa ao saber que ele também era pintor. Suas pinturas
geralmente continham imagens do mar.
Ele não retratava a figura humana. Um dos
entrevistadores perguntou-lhe se ele não tinha receio de que o público o
criticasse, afirmando que todos os seus quadros eram semelhantes. Ele,
inteligentemente, respondeu: "Nunca é igual." E complementou:
"As duas coisas de que mais tenho medo são o mar e a solidão."
Ele expressava, através do que pintava, o
que mais o assustava. E fiquei pensando que a solidão dele era imensa, assim
como o mar, portanto, seus quadros jamais seriam iguais; e, se outro artista
expressasse sua solidão através da imagem do mar, teríamos outras infinitas
representações.
Voltando à música, o verso que mais me toca
é o seguinte: "Fica... oh brisa fica, pois talvez, quem sabe... o
inesperado traga uma surpresa..." O "fica" é uma oitava
decrescente. O som é tão belo, soa quase como uma súplica.
Aqui estamos nós, cada um com seu mar à
espera de uma brisa, desejo que, quando ela surja, seja suave e leve.
(*) Médica
psiquiatra.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 25/03/2025. Opinião. p.20.
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