Por
Romeu Duarte Junior (*)
Como não sei, nunca me interessei e já está
tarde para aprender, esse negócio de dirigir carro nunca foi comigo. Se estou
sem pressa, vou de ônibus (por falar nisso, tenho que tirar a carteirinha do
idoso). Se estou com a agenda lotada e com o tempo escasso, faço como a
Angélica: vou de táxi. Como esta última situação é a mais frequente, sou um
fiel cliente dos motoristas de praça (é o novo!). O bom é que raramente ligo
para chamar um. Da velha guarda, pego os caras na rua mesmo, acenando com a
mão. "O senhor é o único que ainda faz isso", disse-me um deles um
dia desses. No trajeto, rola de tudo: papos sérios e engraçados, mentiras,
reacionarismo (como tem taxista bolsonarista...), histórias hilárias, música
gospel (argh!), por aí. Ah, um Scorsese para filmar as lorotas...
Na semana passada, peguei um que passou por
uma marmota curiosa. Aceitou a corrida de uma loura na Praça do Ferreira
("um mulherão, doutor") e foi bater com ela na Vila Manoel Sátiro. Em
lá chegando, a dona desceu numa praça e pediu para ele esperar. "Pronto,
levei um calote", disse ele. Súbito, chegou um sujeito numa moto e
encostou. "Eita, que agora, além do beiço, vou ser assaltado".
"Fica frio, coroa", disse o motoqueiro, "sou detetive e achei o
marido da comadre aí". De repente, lá vem a loura trazendo debaixo de
tapas, só de cueca, o seu consorte (ou sem sorte...), com uma pessoa aos
prantos atrás. "Meu amigo, o cabra apanhou mais do que mala velha para
largar o mofo", disse o chofer, "e o legal foi que ela me pagou e eu
ainda voltei com a pessoa. É mole?".
O caso me lembrou outro que aconteceu com
um conhecido meu há muitos anos na Praia de Iracema. Tarde da noite, pegou um
táxi no largo da Igreja de São Pedro. Mal entrou no carro, o cinesíforo foi
logo saudando-o e destacando os seus predicados de beleza. "Aí, garotão,
passou o rodo no mulherio da PI, né?", falou-lhe o condutor, enquanto
passava a mão nas suas pernas. No meio do caminho, parou a viatura num posto de
gasolina e tascou: "Jovem, gostei de você. Que tal nos divertirmos nos
bares da Leste-Oeste?". "Quero ir para casa, nada de programa, qual
é, cara?!". Ao chegar ao destino, o motorista recusou o pagamento,
choroso. "Tome, é seu", impôs o rapaz. Algum tempo depois, mais uma
vez se encontraram, desta vez no Centro. Cumprimentos formais, apenas.
Pois bem, o que não falta numa corrida de táxi
é prosa boa e marmotas mil, todas temperadas com uma boa dose de patranha. O
senhorzinho que se garante na cama sem precisar de viagra, o cara que anda
armado, o outro que foi roubado, sequestrado e colocado no porta-malas do
carro, a taxista que não leva desaforo para casa, o magrelo com bandeirada
cara, tem gente de todo tipo e com muita conversa fiada. Isso tudo me lembrou
um antigo samba do Zé Kéti, "Motorista de praça", "Quando
preciso de um táxi, faço o sinal / Olhas para o outro lado / Fico muito
invocado / Mas no fundo eu te dou razão / Sei que não fazes por mal / A cara da
gente não diz quem é o marginal". Tomei um táxi um dia desses e disse
"Para a Procuradoria da República", ao que o chofer falou: "Já
vai para a Embaixada?".
(*) Arquiteto e
professor da UFC. Sócio do Instituto do Ceará. Colunista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 17/03/25. Vida & Arte. p.2.
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